31.1.04

Paulo Portas



Uma das alegrias que este fim-de-semana me trouxe foi a sondagemda Marktest pra a TSF e "DN",anteontem, sexta-feira, publicada no Diário de Notícias.

Por que começou bem, então, o fim-de-semana? Porque o CDS/PP aparece com 1,9% das intenções de voto! Não é gralha, é mesmo assim. Será que o povo português está, finalmente, atento e é capaz de descortinar os seus inimigos?

Os outros partidos aparecem assim escalonados:

PS - 40,7%
PSD - 35,1%
PCP - 9,5%
BE - 7,8%


Vale a pena saudar o Bloco de Esquerda pelas posições que tem assumido e pelo reconhecimento que tem tido. E vale a pena solidarizarmo-nos com ele, face à canhalice dos putos do CDS/PP que ameaçam com um processo o Francisco Louçã, por este ter dito que a Ministra da Justiça é "inimputável"! Porquê esta atitude?

Dizem que foi esta sondagem, com 1,9% para o seu partido, que lhes virou a cabeça! Estarão doentes? Ou com medo do desemprego vitalício?


Duplicação

Há opiniões que vale a pena repetir aos quatro ventos. Reler. Duplicar. Reencaminhar. Com "Doenças" ou "Portugal Doente", conforme o leitor. E há a redundância. O pleonasmo. Como nas duas mensagens anteriores. É que "é preciso avisar todas a gente", como escreveu a Sophia. Vigilância democrática.

Governo Doente



Já todos sabemos que Portugal está em crise e que este governo tem colocado os cidadãos a rastejar. Sobretudos os mais frágeis, as crianças, as mães, os doentes.


1. A diminuição do subsídio de doença atinge, sobretudo, as mulherescom filhos bebés. Dizem-no as estatisticas: são as mães com filhos doentes que faltam um, dois ou três dias aos seus empregos. Poderiam deixar os bebés doentes? A quem? E poderiam ir trabalhar com leveza no coração? São os que mais sofrem que passam a sofrer mais. Uma vergonha para um governo que diz ter princípios de justiça social. Há fraudes nas baixas ? É um problema de fiscalização ou de polícia. Não podem é os pais com filhos doentes e todos os sofredores deste país serem os que aumentam o sofrimento.
Entretanto, os nababos que fogem ao fisco ou depositam nos paraísos fiscais (a Madeira é um exemplo dessa gente sem compromissos sociais) continuam na maior, sem fiscalização que lhes chegue.

2. E as reduções às comparticipações do regime livre da ADSE (Assistência na Doença aos Servidores do Estado), agora anunciado? Mais uma vez, são os doentes a pagar a crise. Exemplos ?
a) ressonância magnética (-66%); b) extracção de um tumor da pleura (-37%); c) diária internamento (-37%); d) angaliação (-52%); d) fralda incontinente (-25%); e) teste HIV (-6%); f) hemograma (-6%)

São alguns exemplos da falta de pudor deste gorveno.
E poderíamos falar, ainda, dos ataques aos abonos de família e dos aumentos zero na Administração Pública. Para quê? Poderíamos ficar doentes... e é absolutamente proibido, neste país onde um governo sem preocupações sociais preferiria governar sem doentes, sem reformados, sem bebés, sem imigrantes... só com mão-de-obra activa! Para poderem passear nos submarinos, durante a semana, e irem ao futebol ao domingo!

Só por escrever estas linhas, fiquei com náuseas. Estarei doente?



DOENÇAS



Todos sentimos que Portugal está doente, que a crise atinge, sobretudo, os mais pobres e os mais frágeis. Dói muito ver cada vez mais desempregados, sobretudo mulheres, mão-de-obra mal paga na indústria têxtil ou do calçado. E não há analgésicos para o desespero.

O que tem feito este governo? Atacar os direitos dos mais pobres e dos mais frágeis. Exemplos?

1. A diminuição do subsídio de doença atinge, sobretudo, as mulherescom filhos bebés. Dizem-no as estatisticas: são as mães com filhos doentes que faltam um, dois ou três dias aos seus empregos. Poderiam deixar os bebés doentes? A quem? E poderiam ir trabalhar com leveza no coração? São os que mais sofrem que passam a sofrer mais. Uma vergonha para um governo que diz ter princípios de justiça social. Há fraudes nas baixas ? É um problema de fiscalização ou de polícia. Não podem é os pais com filhos doentes e todos os sofredores deste país serem os que aumentam o sofrimento.
Entretanto, os nababos que fogem ao fisco ou depositam nos paraísos fiscais (a Madeira é um exemplo dessa gente sem compromissos sociais) continuam na maior, sem fiscalização que lhes chegue.

2. E as reduções às comparticipações do regime livre da ADSE (Assistência na Doença aos Servidores do Estado), agora anunciado? Mais uma vez, são os doentes a pagar a crise. Exemplos ?
a) ressonância magnética (-66%); b) extracção de um tumor da pleura (-37%); c) diária internamento (-37%); d) angaliação (-52%); d) fralda incontinente (-25%); e) teste HIV (-6%); f) hemograma (-6%)

São alguns exemplos da falta de pudor deste gorveno.
E poderíamos falar, ainda, dos ataques aos abonos de família e dos aumentos zero na Administração Pública. Para quê? Poderíamos ficar doentes... e é absolutamente proibido, neste país onde um governo sem preocupações sociais preferiria governar sem doentes, sem reformados, sem bebés, sem imigrantes... só com mão-de-obra activa! Para poderem passear nos submarinos, durante a semana, e irem ao futebol ao domingo!

Só por escrever estas linhas, fiquei com náuseas. Estarei doente?


30.1.04

Poema do Dia



Para outro momento de silêncio, com o coração preso à casa dos samurais:



O vento nos pinheiros
Sussura noite e dia
Nas orelhas do cavalo de pedra
No templo da montanha
Onde ninguém reza.


ISHIKAWA TAKUBOKU

(1886-1912)

(in "ROSA DO MUNDO
- 2001 Poemas para o Futuro
";
Tradução: José Alberto Oliveira)

Moçambique



Um cheirinho de Moçambique e do Índico, para uma aproximação aos mares do Oriente e para deixar este espaço cansado de cinzas e nevoeiro. Assim, este excerto do livro à vista:

Moçambique, Madagáscar e as ilhas Comores

Apesar de, no século XVI, alguns capitães portugueses de carácter ambicioso terem chegado a esboçar alguns planos no intuito de conquistar Madagáscar ou as Comores, as relações portuguesas com estas terras sempre se mantiveram numa base puramente comercial. Os navios mercantes que zarpavam de Moçambique percorriam a curta distância que os separava destas ilhas em busca de madeira, fio de palma e pedra destinada à construção, mas o seu verdadeiro objectivo era conseguir alimentos em quantidade suficiente para abastecer o vasto mercado constituído pela base naval da Ilha de Moçambique. O comércio com Madagáscar e as Comores acabou por se tornar extremamente importante para os moradores de Moçambique, já que o crescente monopólio do capitão lhes vedava a possibilidade de aceder à maioria dos mercados do Sul. Francisco Barreto fizera reviver o velho projecto de conquistar as Comores, estava-se então na década de setenta, e os moradores voltaram a sentir receio de perder a possibilidade de negociar com esta região quando, em 1585, o capitão, D. Jorge de Meneses, adquiriu o direito exclusivo do comércio do gengibre entre as Comores e Ormuz, ao mesmo tempo que tentava edificar uma feitoria em Masselage, na costa de Madagáscar. Na década de cinquenta, os capitães de Moçambique continuaram a tentar negociar uma espécie de aliança comercial com Madagáscar.
As embarcações usadas neste tipo de viagens eram quase todas pangaios de construção local, ficando a sua condução a cabo dos membros da comunidade muçulmana de marinheiros instalados nas pequenas cidades portuárias situadas em ambos os lados do canal de Moçambique. Eram fretados pelos moradores de Moçambique, levando quase sempre a bordo um ou dois afro-portugueses. O volume dos negócios entre Moçambique e as ilhas impressionou os primeiros visitantes europeus. Em 1591, Sir James Lancaster viu-se obrigado a recorrer aos serviços de um intérprete português na sua visita às Comeres. Em 1602, um negociante clandestino de origem francesa, Martin de seu nome, encontrou plusieurs individus qui par-laient portuguais, e, ainda no mesmo ano, a frota holandesa de van Spielbergen capturou uma embarcação recheada de mestiços portugueses que transportava arroz, panos e escravos. Por seu turno, em 1615, Sir Thomas Roe teceu alguns comentários relativos aos enormes veleiros usados pêlos Portugueses, tendo dito qualquer coisa sobre "os poucos portugueses que viajavam para Moçambique em embarcações de quarenta toneladas, com as pranchas cosidas ao invés de pregadas, todas elas muito bem equipadas e carregadas de madeira". A situação acabou por ser resumida por François Pyrard, que disse "serem estas ilhas [as Comores] de uma importância vital para Moçambique e os portugueses que aí vivem, já que é delas que partem todos os alimentos que aqueles necessitam".
É bastante provável que os moradores de Moçambique tenham usado o comércio com as Comores e Madagáscar como uma forma de iludir o monopólio do capitão e levar a cabo uma série de transacções clandestinas com os portos do mar Vermelho, do Golfo, e também do norte da índia. Sabe-se que, nos primeiros anos do século XVII, estas ilhas mantinham uma relação comercial intensa com os territórios situados a norte, encarregando-se os veleiros portugueses que partiam de Moçambique de levar as moedas de prata de origem espanhola que eram usadas nas ilhas no intuito de financiar o comércio internacional.

29.1.04

O Começo dos Dias












O COMEÇO DOS DIAS


O problema da vida é o início
das imagens depois de elas tomarem
corpo numa paisagem
logo as queremos retocar
como um retrato dos antigos
escondendo as sombras as cicatrizes
os defeitos e depois podermos
guardá-los na nossa própria memória
em ondas de azul
onde já não damos vez
ao que foi apagado como se lá
nunca mais houvesse mais nada.

É essa a perícia da vida
no que resta depois da partida
no combóio que algures está sempre
à espera na estação por detrás da colina
nos olhos da pessoa que nos observa
junto à vidraça por dentro da pequena loja
ou nas páginas escurecidas de um livro
que esquecemos um dia na estante
ou numa mesa suja de um café.

Não há forma de voltar atrás
depois de tudo estar encaminhado
em direcção à bilheteira
onde não queremos adquirir a passagem
e justificamos os belos dias de sol
os acordes de uma flauta a meio da tarde
um poema dedicado a Keats
um sorriso de uma mulher desconhecida
ou um muro de tijolos vermelhos por acabar
numa álea esverdeada do jardim
da casa pintada com a cal branca do tempo
para podermos regressar ao princípio
do mundo incompleto como a Vénus de Milo
e ainda atordoado que nos chama.

Depois ficamos com medo de não acordar.
Escutamos apenas o nosso nome ao longe.
Uma voz que se distancia em vaivém
pendularmente.
Há sempre dias que começam assim.

José António Gonçalves

(inédito, 29.1.04.Funchal)


A MÚSICA



A MÚSICA


Sempre ali esteve, a música,
o mar, e as ondas
de pássaros caindo como chuva ao fim
da tarde,
o piano tão líquido ou batendo
em acordes sobre o aço, uma
ilusão transformando
o som sem som, em tudo semelhante
ao silêncio,
a orquestra expandindo-se ou o refluxo
limpo dos pianíssimos,
ali estava
o silêncio, equivalente
ao som do mar e da cortina
de oliveiras defendidas do crepúsculo
por um muro de branco a escuro
passando, adolescente
música
como um corpo rolando nu na areia do
dia
quando na outra margem
a nota alucinada da fábrica o enchia,
o silvo que erigia em dor
o sexo,
as ondas desse mar orquestrado por
braços que nadavam.


GASTÃO CRUZ
(in "Rua de Portugal")


*

Gastão Cruz nasceu em Faro, em 1941. Poeta e crítico literário, formou-se em Filologia Germânica pela Universidade de Lisboa. Foi professor do ensino secundário e, entre 1980 e 1986, leitor de Português no King’s College, em Londres. Como poeta, o seu nome aparece inicialmente ligado à publicação colectiva Poesia 61. Como crítico literário, colaborou em vários jornais e revistas ao longo dos anos sessenta. Essa colaboração foi reunida em volume, com o título A Poesia Portuguesa Hoje (1973), livro que permanece hoje como uma referência para o estudo da poesia portuguesa da década de sessenta. Ligado também à actividade teatral foi um dos fundadores do Grupo de Teatro Hoje (1976-1977), para o qual encenou algumas peças. Algumas obras: (Poesia) - A Morte Percutiva (1961), As Aves (1969), Campânula (1978), As Leis do Caos (1990), As Pedras Negras (1995), Crateras (2000), Rua de Portugal (2002); (Ensaio): A Poesia Portuguesa Hoje (1973; 1979 – 2ª ed., revista).


28.1.04

A Rosa





O dia luminoso leva-me à rosa e à antecâmara da Primavera. E a ROSA traz-nos os poemas de Yeats, com os jardins da Irlanda a tiracolo. E o Paul Celan de "Sete Rosas Mais Tarde". E o "Roman de la Rose" e até "O Nome da Rosa". E há a Rosa-Cruz, "assim como o mel para as abelhas..." e os Cavaleiros Rosa-Cruz. E há a "rosa sem porquê", de Angelus Silesius ("A rosa é sem porquê, floresce quando floresce, ninguém a manda florir.") e há o Paraíso de Dante e o amor comparado ao centro da Rosa:

"Beatriz atraiu-me ao centro de ouro da rosa eterna, que se dilata e vai de pétala em pétala, e que exala um perfume de louvor ao sol sempre primaveril."

E há a rosa alquímica e as sete pétalas, cada uma evocando um metal ou uma operação da Obra. E há a rosa branca e a "pequena Obra" e a rosa vermelha e a "grande Obra" e o símbolo da impossibilidade, a rosa azul.

Mas hoje, com os olhos no Oriente, e com uma gravura excessiva, roçando o "kitsch" orientalista, vou ao livro de um poeta chinês e ao poema "A Rosa Espera":

Pela escada espinhosa,
uma rosa trepa
até à altura das nuvens

A noite do amor
coroada de perfume
não aguenta o peso do luar

Tudo é um reino breve
onde o tempo morre dentro do tempo
sem deixar nem musgo

A rosa ainda espera
amarela e murcha
como uma campa aberta


( Yao Jingming, A Noite Deita-se Comigo", Guimarães, Pedra Formosa,2001, p.52)




27.1.04

Para um Amigo



Tenho um amigo, com o Alentejo encostado ao peito, que anda a rondar os caminhos da tristeza. E hoje, ao lado da chuva e do vento, acordei com ele encostado ao coração. Apesar de distante, li-lhe um poema:

Em dias de orvalho, conhece-se a dissolução do ar
e o amor liga-se à terra renovada. Uma cascata
é um oceano vivo. Fragmenta a luz branca e nela
expande-se uma prolongada serenidade. Deixamos
de lado as imitações e a habilidade quotidiana
para amarmos, apenas, a história de um grito.
Vive-se no contacto. E é um ruído incessante
esta solidão dissipada pelo fluir das águas.
Poder-se-á contar em pormenor esse momento?
Iniciarei numa rosa o mais longo caminho.


(in Firmino Mendes, Ilha sobre Ilha, Lisboa, Caminho, 1993, p. 40)




26.1.04

Escola da PIDE




Há um blogue que parece estar sempre de parabéns. Ele, sempre atento ao quotiano e às suas sombras, leva-nos hoje ao ex-Museu da PIDE, um edifício reduzido a pó e cacos neste dia de cinza e chumbo. Ali, ao lado das "Twin Towers", que é necessário proteger das más companhias e do terrorismo internacional, queima-se a memória da aprendizagem do medo. Os torturadores podem descansar à vontade. Morrerão lindamente, em colchões ortopédicos, acompanhados pelos empregados de libré, que a choruda reforma lhes dá. Um camartelo qualquer, camarário ou não, virá limpar-lhes os vestígios da sua solene aprendizagem.

Existirá Câmara de Lisboa e Santana Lopes? Por que desviam o olhar para as Amoreiras e assobiam para um túnel que perturba o metropolitano? Até quando durará a publicidade para os actos inúteis? O sono perturba os munícipes. A imprensa tem os olhos noutros segredos.

P.S. A imagem que acompanha este "post" auto-destruir-se-á ao fim de cinco segundos. Como a casa. Como o ex-Museu. Como a Memória.

25.1.04

Fiama Hasse Pais Brandão





Realizou-se ontem uma homenagem à poeta Fiama Hasse Pais Brandão, no Teatro Nacional D. Maria II. Maria Teresa Dias Furtado fez a apresentação da obra de Fiama, seguindo-se leituras de poemas e de dois excertos do romance Sob o Olhar de Medeia, pelos actores Maria Emília Correia, Teresa Lima e João Grosso. Também o poeta Casimiro de Brito leu um poema dedicado à poeta e integrado no seu livro inédito "O Livro das Quedas".

A poesia de Fiama vive, desde há muitos anos, de uma respiração próxima da terra. Chamemos-lhe uma poesia vegetal, tocada, sempre, por um sopro alado que toca o coração dos pássaros, o zumbido dos insectos ou a vida e morte das coisas mais pequenas. Há palavras mais fortes que podem levar ao "êxtase" e que moram perto do "caramanchão", como as "margaridas" ou as "buganvílias". A interioridade ou, se quisermos, a religiosidade (no seu sentido etimológico de re-ligar), aproxima o corpo do mundo do corpo do poeta. Há uma integração radical. O poeta é, assim, parte igual na respiração do Todo.

Para serena leitura, o poema de Casimiro de Brito, lido pelo autor na sessão de homenagem:

Um rosto, um olhar regaço
foi a primeira visão. Um olhar paciente
esperando que palavras caiam
maduras. Há pessoas assim, vêm da sombra
e trazem luz com elas, luz branca, pessoas que são
uma espécie silenciosa de mensageiros da paz.
Uma companheira poética.

Na primeira vez deu-me um livro
e desse livro colhi a primeira frase, o título,
Em cada pedra um voo imóvel ‹ talvez
tivesse começado nesse dia
o meu hábito de ler quando deixo
de ler, colher uma pérola, ser escolhido
por ela e não precisar de ler mais nada, apenas
pegar na pedrinha e caminhar com ela
nas ruas ou nas praias,
transportá-la num lugar muito reservado
onde a mente e o coração se acasalam.

Oito sílabas perfeitamente acentuadas
no som e no sentido. Um ritmo discreto, quase obscuro
e um sentido enigmático que integra, desde a primeira fala,
o último sumário lírico, a mancha solar
do pó, a harmonia dos ossos, a narração
da frágil matéria do mundo. Um fragmento
da vida toda e da vida antiga.

Isto é aquilo, metáforas, o todo em todas
as coisas, em vários anéis que ora se concentram,
ora se descentram ‹ é essa a essência
da poesia: o voo na pedra, a água que significa ave
quando a sílaba é um diamante,
uma mancha de voz
por onde circula o sangue que despe os objectos,
o pulso, a memória que existe nas palavras.
Ou são conchas? Isso ela diz, clarividente.

A homenagem à língua, à literatura
é antes de mais um ofício
entre o real e o divino, arte breve
que se faz com o corpo e tem
corpo, "o corpo carnal
dos meus poemas", a matéria vagarosa
das coisas todas que são dadas no poema
e nele exigem estar.

Quando, muitos estações depois e quase sábia,
ela, como Hípias, se retirou dos negócios públicos
também eu coincidente me retirei.
Do velho tempo. E penso nela e louvo
o canto vivo que levou consigo, pedras únicas
com voo dentro
onde a narração do universo se consome
e nos saúda ‹ deslumbrado com os espelhos aprendi
que nada equivale à vidraça do mundo.


Davos e Bombaim



Decorre, até amanhã, em Davos, na Suiça, o FÓRUM ECONÓMICO MUNDIAL (FEM) que, apesar de tudo, discute temas como igualdade e paz, combate à malária e à sida,fractura digital, poluição, dominantes e dominados. Veremos se daqui sairão boas notícias para a Terra, sobretudo para a igualdade e para a paz.
Na passada quarta-feira, em Bombaim (agora chamada Mumbai), na Índia, terminou o FÓRUM SOCIAL MUNDIAL (FSM) que, pela primeira vez, saiu do Brasil e da emblemática cidade de Porto Alegre. Ali estiveram 100 mil pessoas, em representação de 25oo organizaç~oes não governamentais. Repetiram-se as críticas ao "liberalismo selvagem sem rosto humano" e foram convocadas duas manifestações à escala global: uma, para 15 de Fevereiro (1.º aniversário da manif global contra a guerra no Iraque); a segunda, para 20 de Março, quando a guerra começou.
Realçamos, ainda, o apoio ao Tribunal Penal Internacional (TPI), "um dos maiores símbolos dos esforços para globalizar a Justiça" e a xigência para que este TPI se ocupe de casos de violação, escravidão e tráfico de seres humanos, entre outros crimes que são cometidos, sobretudo, sobre as mulheres.Outra das proclamações foi o direito à soberania alimentar e à água (por falta de água potável, morrem diariamente 30 mil pessoas!).
A escolha de Bombaim (Mumbai) serviu, ainda, para a luta contra o sistema de castas, o combate contra os integrismos religiosos ou o repúdio dos sistemas patriarcais. As manifestações dos "dalit" ( os "intocáveis", no desumano sistema de castas da sociedade hindu) marcaram algumas das sessões (cf. Expresso,24.01.04).
Aqui estão dois lugares do Planeta para dois momentos de interligada reflexão sobre os males do mundo.
E, em 15 de Fevereiro e 20 de Março, cá estaremos para reflectir sobre as manifestações que decorrerão em todo o mundo. Veremos Lisboa. Veremos Porto. Veremos Coimbra. Veremos a Terra.

23.1.04

Manuel Carmo




Foi ontem inaugurada, , no Museu da Água (Reservatório da Mãe d'Água das Amoreiras, na Praça das Amoreiras, ao Rato ), uma Exposição de Pintura de Manuel Carmo, intitulada "Aquae Liberae Triumphalis Ingressus", Framentos para a Classificação do Aqueduto das Águas Livres como Património Mundial. São pinturas de grandes dimensões (550x300 cm ), em torno da água e dos seus símbolos, com quatro cores submersas no branco das telas sobre linhas negras. Do cinzento ao vermelho, passando pelo azul ténue e pelo amarelo, somos integrados nesse universo líquido que é, ao mesmo tempo, fonte de vida, meio de purificação e centro de regenerescência.
Do Catálogo desta Exposição de Manuel Carmo, citemos do texto introdutório da Directora do Museu da Água, Margarida Ruas:

"A água é uma substância divina. Para Thales de Mileto, a Água é o elemento primordial que compõe todas as coisas, manifestando-se nos três estados: sólido, líquido e gasoso.
A tradição cabalística reconhecia como elementos principais a Água, fogo e ar representadas pelas letras mãe do alfabeto hebraico:MEM, SHIN e AIN.
(...)
Manuel Carmo conta-nos a história da Água através do Aqueduto das Águas Livres de uma forma aparentemente tangível na sua arte minimalista de despojamento absoluto. Numa depuração purificadora ou na pureza de depuração última depois do infinito. Na simplicidade absoluta dos seus quadros brancos que falam apenas uma cor três pontos se mantêm em cada um, ocupando um lugar diferente, como uma arca nuclear da concepção da vida ou como uma nova trindade. A cor é a voz do espírito da magia, do mistério ou do imaginário
."

Até 25 de Fevereiro, eis um espaço para visitar, uma exposição para ver, um texto ao lado de quadro para ler. Um INGRESSUS para tocar o invisível.

21.1.04

Bartolomé de las Casas



Este é o ANO INTERNACIONAL DA COMEMORAÇÃO CONTRA A ESCRAVATURA E DA SUA ABOLIÇÃO. Oficialmente aberto no passado dia 10 de Janeiro, em Cape Coast, lugar sinistro de embarque para milhares de escravos africanos, a 170 km de Acra, capital do Gana, pelo Director-Geral da Unesco, Koichiro Matsuura, este é um ano para estarmos mais atentos à História. E, por exemplo, lermos a Brevíssima Relação da Destruição das Índias (Lisboa, Antígona), de Bartolomé de las Casas. É que o livro mostra-nos o outro lado das atrocidades cometidas no continente americano. O saque e o massacre não atingiu, apenas, os povos africanos.
Bartolomé de las Casas (1474-1566) era um frade, natural de Sevilha, que a si próprio se declarou "defensor e protector de todos os povos indígenas". Da sua obra, citemos estas referências a Francisco Pizarro:

"No ano de mil quinhentos e trinta e três foi outro grão-tirano com certa gente para os reinos do Peru, aonde, entrando com os mesmos títulos e tenção e com os princípios de todos os outros já passados (porque era um dos que mais se haviam exercitado e com mais tempo em todas as crueldades e estragos que na Terra Firme, desde o ano de mil quinhentos e dez, se haviam feito), cresceu em crueldades, matanças e roubos, sem fé nem verdade, destruindo povoados, humilhando e matando as suas gentes, e sendo causa de tão grandes males que naquelas terras sucederam, que asseguramos não haver quem possa referi-los e ponderá-los até claramente os vermos e conhecermos no Dia do Juízo. E dalguns que queria referir, por via da deformidade, qualidades e circunstâncias que os afeiam e agravam, não o poderei nem saberei encarecer.
Na sua desgraçada entrada matou e destruiu alguns povos e roubou-lhes muita quantidade de ouro. (...) a paga que aos índios deram os espanhóis foi passarem a fio de espada e alancearem grande cópia de gente, e daqueles a quem pouparam a vida fizeram escravos, com grandes e assinaladas outras crueldade contra eles praticadas, assim deixando quase despovoada a dita ilha (de Puna).
" (pp.128-129)

Note-se que, em menos de meio século, entre 1519 e 1605, a população do México central terá passado de 25,3 milhões a 1 milhão, segundo o investigador Sánchez Albornoz. A dimensão do genocídio é globalmente mostrada pelos dados do antropólogo brasileiro Darcy Ribeiro, dados estes referentes a todo o continente: em 1492, a população ameríndia seria de 70-80 milhões e, em 1650, de 3,5 milhões.


20.1.04

Eleições Americanas



A eleição do próximo presidente americano interessa-nos a todos, claramente. É o Planeta que, ansiosamente, espera o retorno à paz. E poderá ser Novembro esse mês da mudança, se o guerreiro George W. Bush for derrotado. E nessa derrota reside um pouco da nossa esperança. E, por isso, qualquer que seja o candidato, o Partido Democrático tem nele os olhos de todos os que querem ver a Terra pacificada e os conflitos mundiais atenuados.
Ontem, realizaram-se as eleições primárias no Estado de Iowa. Venceu John Kerry, senador pelo Massachusets, casado com a portuguesa Teresa Simões Ferreira, hoje conhecida como Teresa Heinz Kerry. Mas tudo está, ainda, no início. Kerry poderá ser o vencedor, é claro, mas os pratos da balança parecem inclinar-se para Howard Dean, médico de profissão, crítico da guerra no Iraque, e que tem como palavra de ordem:"represento a ala democrata do Partido Democrata". Ou para Wesley Clark, agora apoiado por Michael Moore e por Madonna. Ou para Dick Gephard, ontem derrotado, com menos votos que John Edwards, o "imberbe".
Qualquer que seja o candidato democrata, Bush deveria ser derrotado. Se assim for, o mundo descomprimirá e os falcões terão de esperar por melhores dias. Mesmo os nossos "catitinhas das guerras", com alguns lambe-botas no comando mediático. Engravatadinhos e tudo. Como os vendedores de automóveis.

19.1.04



Agora, a ilustração de Henrique Tigo.


ArY dos Santos



JOSÉ CARLOS ARY DOS SANTOS

(7/12/37-18/1/84)


Ilustração: Henrique Tigo

Estado Velho
Ah! não há dúvida
vocês existem, vocês persistem
vocês existem com grémios e tribunais
medidas de segurança e capitais
plenários mercenários festivais
grades torturas verbenas
cativeiros de longas penas
com vista para o mar
para matar

Palhaço
lacrimogénio
capacete de aço

Vocês existem bordados a ponto de cruz
fazendo a guerra sugando o povo
sorvendo a luz com estoris, coktails, recepções
canastas e ralys
whisky, coktails, cherries
trapeiras, esconsos, saguões
discursos, salmão, lagostas
pão duro, desespero e crostas
sorrisos de hospedeiras
e assassínios de ceifeiras

Palhaço
lacrimogénio
capacete de aço

Vocês existem, baionetas e chá com bolos
cooperativas, clubes de mães
concursos de gatos e cães
cães de luxo para lamber
cães polícias - polícias cães
para morder
barracas de lata para viver
salários de fome para sofrer
trapos, suor e lodo
amáveis conversas de casaca
e sobre as nossas cabeças
a matraca

Palhaço
lacrimogénio
capacete de aço

Ah! Não há dúvida
vocês continuam ainda a existir
até ao raio que vos há-de partir

José Carlos Ary dos Santos

(assinalando os 20 anos da sua morte)


18.1.04

Blogue de Qualidade



Apenas uma homenagem a um blogue de qualidade.

Coração Polar




Coração Polar

1.
Não sei de que cor são os navios
quando naufragam no meio dos teus braços
sei que há um corpo nunca encontrado algures no mar
e que esse corpo vivo é o teu corpo imaterial
a tua promessa nos mastros de todos os veleiros
a ilha perfumada das tuas pernas
o teu ventre de conchas e corais
a gruta onde me esperas
com teus lábios de espuma e de salsugem
os teus naufrágios
e a grande equação do vento e da viagem
onde o acaso floresce com seus espelhos
seus indícios de rosa e descoberta.

Não sei de que cor é essa linha
onde se cruza a lua e a mastreação
mas sei que em cada rua há uma esquina
uma abertura entre a rotina e a maravilha
há uma hora de fogo para o azul
a hora em que te encontro e não te encontro
há um ângulo ao contrário
uma geometria mágica onde tudo pode ser possível
há um mar imaginário aberto em cada página
não me venham dizer que nunca mais
as rotas nascem do desejo
e eu quero o cruzeiro do sul das tuas mãos
quero o teu nome escrito nas marés
nesta cidade onde no sítio mais absurdo
num sentido proibido ou num semáforo
todos os poentes me dizem quem tu és.
2.
Ouvi dizer que há um veleiro que saiu do quadro
é ele que vem talvez na nuvem perigosa
esse veleiro desaparecido que somos todos nós.
Da minha janela vejo-o passar no vento sul
outras vezes sentado olhando o ângulo mágico
sinto a sua presença logarítmica
vem num alexandrino de Cesário Verde
traz a ferragem e a maresia
traz o teu corpo irrepetível
o teu ventre subitamente perpendicular
à recta do horizonte e dos presságios
ou simplesmente a outra margem
o enigma cintilante a florir no cedro em frente
qual é esse país pergunto eu
qual é esse país onde tudo existe e não existe
qual é esse país de onde chega este perfume
este sabor a alga e despedida
esta lágrima só de o pensar e de o sentir.

Não é apenas um lugar físico algures no mapa
é talvez o adjectivo ocidental
o verbo ocidentir
o advérbio ocidentalmente
quem sabe se o substantivo ocidentimento.
Está na palma da mão no nervo do destino
e também no teu corpo aberto ao vento do nordeste
é talvez o teu rosto alegre e triste — esse país
que existe e não
existe.

Eu não sei de que cor são os navios
sei que por vezes
no mais recôndito recanto
no simples agitar de uma cortina
numa corrente de ar
num ritmo
há um brilho súbito de estrela e bússola
uma agulha magnética no pulso
um mar por dentro um mar de dentro um mar
no pensamento.

Há um eu errante e mareante
não mais que um signo
um batimento
um coração polar
algo que tem a cor do gelo e do antárctico
e sabe a sul a medo a tentação
uma irremediável navegação interior
um navio fantasma amor fantástico.

Manuel Alegre
(in Senhora das Tempestades,
Centro Virtual Camões)

a


NEOCONSERVADORES ("NEOCONS" )

Sou um "BUSHuHATER", como milhões neste Planeta. Detesto-o mais que ao PAI dele, mais que ao REAGAN ou à TATCHER. E sinto vergonha por ser humano ao lado de humanos que nos envergonham (assassinos, hipócritas, conquistadores, ladrões, poluidores, destruidores). E, depois, querem enganar-nos, dizendo que Bush já não é "neocons"! É isso que aparece no dossiê de ontem no PÚBLICO. Como só agora cheguei dos Açores, só agora o li. E tremi, na calma desta noite silenciosa.
Dizem-me que Ronald Rumsfeld, secretário da Defesa, com o seu adjunto Wolfowitz, que Dick Cheney, o vice-presidente, e Richard Perle, o guru dos "neocons", estão na mó de baixo. Quem está por cima? Colin Powel, o secretário de Estado, Condoleeza Rice, a cobra venenosa, Paul Bremer, o chefe da Autoridade Provisória no Iraque, e Karl Rove, conselheiro de Bush, atarefado com a reeleição do mesmo.

O que sobre de tudo isto ? A vergonha de uma TERRA a andar para trás, com assassinos profissionais (são todos os que citei), com canhalhas em saldo, com gente sem memória nem sentido. Sabem tudo ? Claro que sabem as margens da Humanidade: matam, prendem, poluem, sem qualquer Direito Internacional a tocar-lhes o cérebro.

Depois, pensamos nos povos oprimidos deste Planeta e tão esquecidos: Afeganistão, Cuba, Paquistão, China, Arábia Saudita, Coreia do Norte, Palestina, Angola, Zimbabué, Suazilândia... Nenhuma lágrima tocará o desejo de democracia que os suporta. Depois, quase na ponta da navalha, há um país que mata impunemente ( e a pena de morte é um crime de quem o comete ), que mantém presos em Guantánamo alguns escravos (=homens sem quaisquer direitos), que mata o seu próprio povo em guerras de opressão. E que ri, que põe bandeiras em todo o lado, que vive à margem dos homens simples deste Planeta chamado Terra.

Ficarão para a História, como criminoso destes anos de chumbo, um P. dos EUA chamado GEORGE W. BUSH, carregando milhares de cúmplices aos ombros ( Blair, Aznar, Barroso... e os "catitinhas das guerras" que vestem à vendedor de automóvel, como o director do PÚBLICO, do EXPRESSO... e o correspondente do DN - o asco obriga a não citar - e outro bailarino desta guerra sem sentido, Luís Delgado, a voz-do-dono,capaz de criticar tudo, mesmo o PR e continuar, vergonhosamente, com antena. )
Perante tanta merda, silêncio.
Silêncio.


16.1.04

Museu do Chiado

É já neste fim-de-semana (domingo, dia 18) que termina a exposição de Ângela Ferreira, no Museu do Chiado. Vamos lá, antes que feche? Trabalho de casa: reler o texto aqui escrito ontem sobre o assunto! E encontrar-nos-emos Em Sítio Algum.

15.1.04

Ossip Mandelstam

Era mais um entre multidões, a caminho dos gulagues siberianos. E conduzidos em "vagões de gado", como refere Bruce Chatwin, no seu despoluído "O Que Faço Eu Aqui" (ed. Quetzal).
Este era o tempo de tudo estar doente, ao som de "Koba O Terrível " (ler o livro de Martin Amis, ed. Teorema), esse perturbado Estalino, assassino a tempo inteiro, responsável por alguns dos crimes mais hediondos da História da Humanidade.
Assim, com poemas atravessados na garganta, foi assassinado Ossip Mandelstam.


OSSIP MANDELSTAM

(1891-1938)


Não, eu não sou de ninguém contemporâneo,
para uma honra tal não estou pronto.
E que nojo me provoca um tal homónimo,
dizer que não fui eu, foi o outro.

Duas sonolentas maçãs o século-rei ostenta
e magnífica boca de barro,
mas, moribundo, à mão enlanguescente
do filho a envelhecer se agarra.

A compasso do século ergui também as pálpebras
doentias - duas maçãs grandes.
Contavam-me histórias de humanos pleitos inflamados
os rios largos e retumbantes.

Há cem anos branquejava com suas travesseiras
uma cama leve e desdobrável,
e estirou-se estranho o corpo de barro, a primeira
embriaguez do século findava.

Bem no meio da marcha tão rangente do mundo,
como é levíssima esta cama!
E pois não podemos forjar um outro do fumo,
com este século convivamos.

Num quarto quente, ou numa caverna, nas tendas
morre o século - e por último
sobre hóstia córnea duas maçãs sonolentas
resplandecem num fogo de pluma.



(in "Rosa do Mundo - 2001 Poemas para o Futuro";
tradução: Nina Guerra e Filipe Guerra)



Museu do Chiado




Uma proposta para o fim-de-semana que se aproxima: ir visitar o Museu do Chiado Em Sítio Algum, de Ângela Ferreira.


Ângela Ferreira nasceu em Maputo, Moçambique, em 1959, e divide a sua vida entre a África do Sul e Portugal. A sua dupla nacionalidade levou vários curadores a incluírem-na em exposições colectivas nas cenas artísticas de ambos os países. Uma natural facilidade em negociar questões entre culturas tornou-se o cenário da sua vida.
Após a graduação na Cidade do Cabo, muda-se para Lisboa onde se torna uma das artistas mais relevantes da geração que surge no princípio dos anos 90. Entre estes artistas, Ângela Ferreira foi a única a lidar com a história colonial portuguesa, no entanto as questões levantadas pelo seu trabalho não se confinam às especificidades históricas locais, mas direccionam-se para uma realidade mais ampla, onde a relação histórica entre a cultura Ocidental e outras periféricas ou semi periféricas tem lugar sob diferentes configurações. É nesta zona de fronteira indefinida que conflitos políticos ou ideológicos se revelam através de objectos ou projectos pertencentes a um sujeito ou uma comunidade, enquanto questões inesperadas produzidas pelo desejo de contornar a ideologia global do Tardo-capitalismo ocidental.
Desde o princípio dos anos 90 que o trabalho de Ângela Ferreira dá especial atenção aos processos urbanísticos envolvidos na vida quotidiana e à forma como diferentes ordens culturais se sobrepõem no seu interior. A base escultórica efectiva do seu trabalho permite-lhe focar algumas estruturas relacionadas com detalhes arquitectónicos e compreender o conflito entre o seu uso e os valores ideológicos que elas acarretam.
Ângela Ferreira. Em Sítio Algum é o título da exposição que o Museu do Chiado – MNAC inaugura a 23 de Outubro, primeira exposição antológica na carreira da artista, é uma apresentação abrangente e aprofundada do trabalho de Ângela Ferreira, com especial atenção sobre a sua relação com aspectos políticos e urbanísticos. Inclui 11 trabalhos produzidos entre 1992 e 2003, como Emigração (1994), Amnésia (1997), Zip Zap Circus School (2000-2002) ou Duas Casas (2001) e um novo trabalho inédito.
A exposição é acompanhada por um catálogo bilingue, em português e inglês, com c. de 160 páginas. Nele são publicados dois ensaios: um da autoria de Pedro Lapa, curador da exposição, um estudo intensivo da obra da artista; o outro de Andrew Renton, descobre significações subtis e determinantes do trabalho da artista. 19 trabalhos de Ângela Ferreira, de Sites and Services (1991-1992) a Cape Town Film Festival (2003), são tratados através de fichas técnicas actualizadas, sinopses e várias imagens a cores.

Museu do Chiado





Uma proposta para o fim-de-semana que se aproxima: ir visitar o Museu do Chiado Em Sítio Algum, de Ângela Ferreira.


Ângela Ferreira nasceu em Maputo, Moçambique, em 1959, e divide a sua vida entre a África do Sul e Portugal. A sua dupla nacionalidade levou vários curadores a incluírem-na em exposições colectivas nas cenas artísticas de ambos os países. Uma natural facilidade em negociar questões entre culturas tornou-se o cenário da sua vida.
Após a graduação na Cidade do Cabo, muda-se para Lisboa onde se torna uma das artistas mais relevantes da geração que surge no princípio dos anos 90. Entre estes artistas, Ângela Ferreira foi a única a lidar com a história colonial portuguesa, no entanto as questões levantadas pelo seu trabalho não se confinam às especificidades históricas locais, mas direccionam-se para uma realidade mais ampla, onde a relação histórica entre a cultura Ocidental e outras periféricas ou semi periféricas tem lugar sob diferentes configurações. É nesta zona de fronteira indefinida que conflitos políticos ou ideológicos se revelam através de objectos ou projectos pertencentes a um sujeito ou uma comunidade, enquanto questões inesperadas produzidas pelo desejo de contornar a ideologia global do Tardo-capitalismo ocidental.
Desde o princípio dos anos 90 que o trabalho de Ângela Ferreira dá especial atenção aos processos urbanísticos envolvidos na vida quotidiana e à forma como diferentes ordens culturais se sobrepõem no seu interior. A base escultórica efectiva do seu trabalho permite-lhe focar algumas estruturas relacionadas com detalhes arquitectónicos e compreender o conflito entre o seu uso e os valores ideológicos que elas acarretam.
Ângela Ferreira. Em Sítio Algum é o título da exposição que o Museu do Chiado – MNAC inaugura a 23 de Outubro, primeira exposição antológica na carreira da artista, é uma apresentação abrangente e aprofundada do trabalho de Ângela Ferreira, com especial atenção sobre a sua relação com aspectos políticos e urbanísticos. Inclui 11 trabalhos produzidos entre 1992 e 2003, como Emigração (1994), Amnésia (1997), Zip Zap Circus School (2000-2002) ou Duas Casas (2001) e um novo trabalho inédito.
A exposição é acompanhada por um catálogo bilingue, em português e inglês, com c. de 160 páginas. Nele são publicados dois ensaios: um da autoria de Pedro Lapa, curador da exposição, um estudo intensivo da obra da artista; o outro de Andrew Renton, descobre significações subtis e determinantes do trabalho da artista. 19 trabalhos de Ângela Ferreira, de Sites and Services (1991-1992) a Cape Town Film Festival (2003), são tratados através de fichas técnicas actualizadas, sinopses e várias imagens a cores.


Palestina

"Este governo é tão mau que as pessoas acabarão por deitá-lo para o caixote do lixo. Levará tempo e custará algumas vidas, mas conseguiremos." Esta frase, calmamente lida e desintegrada do seu contexto, parecia referir-se ao governo português actual, a este processador de rápido desemprego, de redução dos subsídio de doença, de apoio a guerras de ilegalidade e mentira. Afinal, não. Eram, apenas, palavras do ex-piloto israelita Iftach Spector, de 63 anos. É que ele é mais um dos que critica a "ocupação dos territórios palestinianos. "A ocupação não é moral nem legal", diz este defensor da paz, escritor e membro do Centro Israelita para a Cooperação Internacional.
É tempo de reflectirmos sobre este desejo de paz e de justiça, não significando isto um apoio ao terrorismo dos suicidas muçulmanos. Os crimes destes envergonham os oprimidos. Nenhuma razão poderá justificar os atentados contra inocentes, provocados pelo ódio. Porque o ódio gera o ódio. E o caminho está no fim das atrocidades. De parte a parte. Sem "muro da vergonha".

14.1.04

Angola

Vale a pena ler o PÚBLICO de hoje e o dossiê sobre Angola. Porque ficamos a saber que:

1. 85% das receitas públicas de Angola provêm do petróleo;
2. 17,8 mil milhões de dólares foi o total de receitas petrolíferas angolanas registadas entre 1997 e 2002;
3. 4,22 mil milhões de dólares foi a falha detectada pelo FMI entre as receitas e as contas apresentadas;
4. 335 milhões de dólares foi quanto o governo angolano recebeu das companhias petrolíferas em bónus de assinaturas;
5. 68% dos angolanos sobrevive com menos de 1 dólar por dia;
6. 50% dos angolanos sofre de desnutrição;
7. 3,5 milhões de crianças sofrem de subnutrição;
8. 33% das crianças morre antes de completar 1 ano.

A injustiça é visívelMais de 700 milhões de dólares desapareceram por ano, em média, em Angola! Foram parar aos bolsos de quem? E as crianças por que sofrem assim ? E o povo angolano onde morre ? Até quando se continuará a morrer de pobreza num país riquíssimo?

Quioto

Em 2001, foi assinado o chamado Protocolo de Quioto, no Japão, visando um crescimento sustentável do Planeta. Com G. W. Bush na presidência, os EUA abandonaram esse acordo, para vergonha dele e de todos os americanos. Podem poluir à vontade, destruir o Planeta, comprometer o futuro, porque a sua consciência planetária está reduzida a um saco sujo de plástico. São, de longe, os maiores poluidores da Terra mas não assumem a porcaria que produzem. É muito, muito triste.
É por todas as razões e mais esta que também eu me assumo como "Bush-hater", ao lado de milhares de cibernautas. E se hoje escrevo sobre Quioto é porque Jan Pronk, ex-ministro do Ambiente da Holanda e um dos principais negociadores do Protocolo, está em Lisboa, onde hoje profere uma conferência, no Instituto Superior Técnico, sobre "desenvolvimento sustentável".

13.1.04

O Filme Vencedor

Dos filmes de 30 segundos contra a política de Bush, organizada pelo sítio www.moveon.org, foi escolhido o "Child's Pay" ( que em português poderemos traduzir "Os Putos é que Pagam" ), uma mensagem sobre a crise económica americana que os putos de hoje pagarão mais tarde. O filme apresenta, apenas, cenas de trabalho infantil, reforçando a ideia de trabalhar para pagar.
Por mim, preferia o "Polygraph" mas a escolha está feita e é "Democracia em Acção", expressão mais forte deste sítio que vale a pena revisitar sempre.



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12.1.04




Enfim! (suspiro falhado)


BUSH

É hoje que no sítio www.moveon.org será eleito o melhor filme de trinta segundos contra Bush. Podemos ver 14 deles, o que não é mau. Basta abrir, ir à terceira linha e abrir www.bushin30seconds.org Depois, podemos rir ou pensar. A minha escolha vai para o "POLYGRAPH" ("O Detector de Mentiras"), "Wake Up America", "Bush's Repair Shop" e "Gone in 30 Seconds". Para além do filme, podemos observar 3 fotografias de cenas de cada filme. Como ver este polígrafo em movimento.







































(In)justiça

"Um condutor com 2,73 de alcoolemia atropelou dois peões, matando um deles e ferindo o outro com gravidade. Cinco anos depois, foi julgado e condenado em... 50 contos de multa e 1 mês de inibição de conduzir. Após o julgamento que chegou a ser adiado por cinco vezes por falta do arguido, o tribunal absolveu-o dos crimes de homicídio por negligência e de ofensas à integridade física por negligência, bem como das contra-ordenaç~oes conexas com o acidente.
Os factos ocorreram em Janeiro de 1996, em Antas, Famalicão, numa
"recta com boa visibilidade". "

(António Marinho, "Sentença Insólita", in "Expresso", 10.01.04, p. 13 )

Lemos e não acreditamos. A revolta toca-nos profundamente. A injustiça cavalga sobre os ombros frágeis dos mais pobres. Por que não averiguar os juízes que assim decidiram ? Onde está o Conselho Superior da Magistratura ? E a dignidade de um povo onde mora ? Choramos "sôbolos rios que vão (...)".

"Limpeza Étnica"

Sexta-feira, 9 de Dezembro, no jornal israelita "Há'aretz", aparece uma entrevista ao historiador Benny Morris que, sem quase surpresa, refere que:

1. "Um Estado judaico não teria existido sem a expulsão de 700 mil palestinianos."
2. "As expulsões de 1948 (ano da fundação do Estado de Israel) não foram crimes de guerra. (...) Quando a escolha é entre destruir ou ser destruído, é melhor destruir. Quando a escolha é entre limpeza étnica e genocídio - a aniquilação de um povo -, eu prefiro a limpeza étnica."


Quando vemos os crimes actuais, dos quais a construção do muro da vergonha é um sinal maior, pensamos: como é possível aniquilar outros, tendo "vivido" a tragédia da própria aniquilação. Mas a memória do holocausto é breve. Os israelitas esquecem depressa. Oprimem outros impunemente. Afinal, desde 1948, quando expulsaram 700 mil palestinianos da sua própria casa. Dói. Dói muito.


11.1.04

Escravatura - 2004

Não poderíamos deixar passar a data de ontem, 10 de Janeiro: em Cape Coast, lugar sinistro de embarque para milhares de escravos africanos, a 170 quilómetros de Acra, capital do Gana, realizou-se a cerimónia oficial marcando o início do ANO INTERNACIONAL DE COMEMORAÇÃO DA LUTA CONTRA A ESCRAVATURA E DA SUA ABOLIÇÃO. Foi o Director-Geral da UNESCO, Koïchiro Matsuura, quem declarou a abertura deste ano internacional, como "um dever de memória" e o "dever de fazer prova de solidariedade e de empenhamento" na defesa dos direitos e da liberdade de quem os não tem.
Pensamos nos escravos contemporâneos, nos trabalhadores (sobretudo migrantes) que vivem em contentores ou rodeados de arame farpado, nas mulheres da escravatura sexual, encerradas na sombra, nas crianças de todo o mundo, vítimas de todas as espécies de escravatura. Atenção, solidariedade, respeito pelos direitos humanos, sempre em nome da LIBERDADE, eis uma obrigação de todos. SEMPRE, mesmo em 2004.
Nós, portugueses, poderíamos, simbolicamente, visitar o Mercado dos Escravos, em Lagos, e a Meia Praia, por onde passaram milhares dos "nossos" escravos. Para nos consciencializarmos do nosso papel na História. E do nosso dever de sermos livres, ao lado dos homens livres. SEMPRE, mesmo em 2004.

10.1.04

Odisseia

Só por prazer, por simples prazer, em fuga das banalidades do quotidiano ou das notícias doentes que atormentam as terras da Lusitânia, regresso à fonte, à primeira estrofe do texto de Homero, na tradução de Frederico Lourenço (Lisboa, Livros Cotovia, 2003) :

Fala-me, Musa, do homem astuto que tanto vagueou,
depois que de Tróia destruiu a cidade sagrada.
Muitos foram os povos cujas cidades observou,
cujos espíritos conheceu; e foram muitos no mar
os sofrimentos por que passou para salvar a vida,
para conseguir o retorno dos companheiros a suas casas.
Mas a eles, embora o quisesse, não logrou salvar.
Não, pereceram devido à sua loucura,
insensatos que devoraram o gado sagrado de Hiperíon,
o Sol - e asim lhes negou o deus o dia do retorno.
Destas coisas fala-nos agora, ó deusa, filha de Zeus.


(op. cit., p.25)

9.1.04

O Muro da Vergonha

Vale a pena ler hoje o Diário de Notícias e o suplemento DNa. Vale a pena ver as imagens de Larry Towel sobre "O muro (ou será o murro?)". É que para além das fotografias, há informaçãoes importantes:

1. A sua construção começou em Junho de 2002;
2. Os planos de Sharon prevêem 450 Km de extensão;
3. Estes muros são de cimento e têm 8 metros de altura;
4. Com o muro, há, ainda, fossos barreiras de rede e arame farpado, para além de sensores electrónicos que detectam qualquer infiltração humana;
5. Algumas cidades, como Kalkilia e Tulkarm, ficam literalmente emparedadas;
6. O muro divide a aldeia de Koubara ao meio, havendo caos de famílias separadas.


Enquanto este crime é perpetrado, em nome da defesa nacional de Israel, olhamos para o lado. Os palestinianos são emparedados por um muro que envergonha toda a Humanidade. E que mostra que a História pouco nos tem ensinado.

Mas há uma alegria, ontem noticiada: "Em Israel, 5 Objectores de Consciência foram Condenados a um Ano de Prisão" porque "recusaram tomar parte em actos de agressão contra o povo palestiniano." A sua recusa da guerra é total porque, dizem, "qualquer acção no seio do exército ajuda a ocupação." Para a História da Coragem, aqui ficam os seus nomes: Noham Bahat, Haggaï Matar, Shimri Tsameret, Adam Maor e Matan Kaminer.




8.1.04

Liberdade de Imprensa

Lê-se e não se acredita. Pensa-se que os deuses devem estar loucos. Depois, regressamos ao silêncio das horas. Relemos o texto e sorrimos. Afinal, parece ser verdade que a deputada do PSD, Maria da Assunção Esteves, presidente da comissão dos Assuntos Constitucionais, propôs restrições à liberdade de imprensa! E parece que Mota Amaral, o presidente da Assembleia da República, mostrou estar de acordo! Será o regresso da censura, precisamente no ano do 30.º aniversário do 25 de Abril? Vergonha. Vergonha.
O texto do jornal PÚBLICO de hoje é assinado por São José Almeida. Parece ter bases credíveis para a notícia. Mesmo assim, parece-nos um pesadelo. Poderá ser verdade? Vergonha. Vergonha.
Quando há fragilidades no sistema democrático, aparecem vozes de chacais que pensam poder calafetar a entrada de vento nos canais interiores da democracia.
Não passarão.
Mesmo assim, vergonha, vergonha.
Por terem tido esse atrevimento.

Cinza

Está de cinza o dia e parece estar o país. O nevoeiro invadiu as próprias artérias dos cidadãos. Respira-se mal. O coração estremece. Portugal parece estar absolutamente doente. Bater mais fundo é difícil. E, quanto mais se bate no fundo, mais fundo será esse fundo. Assim estamos, encostados ao pior de nós. Quem escapará à provocação mais leviana que já tudo atingiu? Mais alto é impossível.
Neste dia de cinza, perto da mais amarga amargura, não é possível sorrir. Ainda.

7.1.04

Peregrinação

A tabloidização imperial fere como a turquês imperial inquisitorial.
O país adoece de esgoto e maledicência. Já cheira mal no planeta.
Resta-nos qualquer imaginária fuga que a psiquiatria explica.

Aqui, o início da " Peregrinação", de Fernão Mendes Pinto:

" Quando às vezes ponho diante dos olhos os muitos e grandes trabalhos e infortúnios que por mim passaram, começados no princípio da minha primeira idade e continuados pela maior parte e melhor tempo da minha vida, acho que com muita razão me posso queixar da Ventura, que parece que tomou por particular tenção e empresa sua perseguir-me e maltratar-me, como se isso lhe houvera de ser matéria de grande nome e de grande glória."

6.1.04

Estuário

Sem notícias do mundo, colado a imagens que silenciosamente passam, fixo a luz branca do estuário. Reparo no pássaro que toca a lâmina do rio e, lentamente, voo para os amigos que acompanham a cremação do corpo de um poeta. Ainda tenho tempo para tocar a vida em turbilhão que se movimenta rente ao chão, debaixo das águas. Sinal que, neste momento, tudo acontece.

5.1.04

Regresso

Com céu azul e sol por todo o lado, regressamos à monotonia do quotidiano: os despertadores, as rotinas, as horas. O mundo volta a ser igual àquele que conhecemos. Assim nos sentimos bem ou, pelo menos, mais calmos, depois da febre das viagens e das prendas, do trânsito e do consumo.
Releio os jornais de ontem e fixo a referência à morte de Eduardo Guerra Carneiro e de Victor de Sá, no DN. Sobre o primeiro, já escrevi; sobre o segundo, fica aqui uma pequena homenagem ao cidadão antifascista, ao historiador do nosso século XIX, ao homem aberto que tive o prazer de conhecer, na distante Braga. Também ele não morreu, deixou, apenas, de ser visto.
No Público, vale a pena a entrevista de José Pacheco Pereira. A lucidez ainda percorre alguns militantes do PSD. Para bem de todos nós.

4.1.04

Eduardo Guerra Carneiro

A notícia chegou cedo e espalhou-se pelos jornais de ontem: o jornalista e escritor suicidou-se, na noite de 1 para 2 de Janeiro de 2004. "Já era previsível", disse-me um amigo. E eu também achei que sim, que parecia ser esse o caminho final por ele traçado, depois de uma filha também o ter assim deixado. A amargura era imensa, maior que os oceanos.
Quantas vezes, em conversa na Tertúlia, ali no Bairro Alto, lhe topei a tristeza disfarçada de aspereza, às vezes quase pedra fria. Dizia ele que a origem transmontana lhe dava aqueles picos de absoluta falta de ternura. Parecia sempre zangado, de mal consigo e com o mundo. Até porque não vale a pena ser meigo com o desespero ou a tristeza absoluta.
Ficam alguns livros de poemas, alguns livros de crónicas e muitas linhas perdidas por muitos jornais e revistas. "Isto Anda Tudo Ligado", de 1970, deu para uma frase quotidiana. E podemos citar:

"Ah, prosa, prosa! Danada me saíste por essas linhas fora. Não sei que fazer para sacudir de ti tanto lirismo que em ganga se move (...)."

Caro Eduardo, meu transmontano de gema, também tu deixaste, apenas, de ser visto. E foi-se o cordão de amargura que te prendia ao ar. Para te ouvir melhor, regresso aos livros que escreveste. E, acordado, adormeço.

2.1.04

Frases

Quando estamos de acordo, podemos citar. Como estes pedaços da primeira "Visão" de 2004:

1. "As nossas sociedades não são nacionais há vinte séculos. São nacionais desde há dois séculos. E são-no profundamente, é uma realidade."
Anne-Marie Thiesse, socióloga francesa

2. "O facto de o peru de Bush no Iraque ser, afinal, de plástico, não tem, como pregou Luís Delgado aos leigos, a mínima importância. Aliás, provavelmente o próprio Bush é de plástico e Luís Delgado insuflável ( e as suas ideias, chamemos assim àquilo, são talvez sopradas para dentro dele por algum serviço de catering ideológico, momentos antes de aparecer na TV)."
Manuel António Pina, escritor

3. "(As crianças de Ramallah) vivem muito pior que os negros sob o apartheid, enquanto a União Europeia discute se a herança cristã deve constar da Constituição."
Boaventura de Sousa Santos, sociólogo

4. "Espero que Bush perca (as eleições de Novembro). Seria um alívio para o Mundo. Uma espécie de descompressão altamente favorável ao diálogo, à paz e ao progresso."
Mário Soares, ex-Presidente da República


1.1.04

Balanço de 2003

Os balanços podem servir-nos para avaliarmos acontecimentos bons ou maus. Como o bem passa ao lado do planeta e a humanidade parece preferir a atracção do abismo, olhemos para estes lados negros:
1. A invasão e ocupação do Iraque. Ilegal e vergonhosa. Em nome da mentira e do saque. Como se a democracia pudesse ser exportada. Ao mesmo tempo, permanecem ditaduras apoiadas pelos EUA, a começar pela Arábia Saudita e Paquistão. O mundo não está mais seguro.
2. O muro da vergonha que Israel continua a construir em torno dos palestinianos. Dói mais, ainda, por sabermos que os algozes não aprenderem com o holocausto. Prendem um povo todo em nome da defesa. O mundo não está mais seguro.
3. A destruição dos mares e dos rios, das florestas e das espécies animais. E a poluição permanente que causa a destruição da camada de ozono. E os países ricos a aproveitarem todos os recursos da Terra. E os EUA que renegam o Tratado de Quioto. E nós a vivermos como se o planeta fosse eterno. O mundo não está mais seguro.
4. E, em Portugal, um governo que diminui o subsídio de doença, que gasta trezentos milhões em desnecessários submarinos, que provoca a selvajaria nas relações dos empregadores com os trabalhadores, que deixa o desemprego singrar, as escolas a apodrecer, os hospitais entregues à exploração privada. Que aumenta o pão. E muito mais. Até cansa. Com este governo, o mundo não está mais seguro.
5. Para depois, fica o resto: um país de engravatados subservientes, vivendo da mesa do poder, subservientes e mamões. Também com eles, o mundo não está mais seguro.

Balanço

Prometo que amanhã vou fazer o meu balanço do ano passado, como fazem todos os jornais, revistas, televisões e pasquins. Poderia começar a fazê-lo já, neste intervalo da primeira noite de 2004. Mas a hora é tardia ( tenho, ainda, um filme para ver ) e não tive ainda tempo para ordenar algumas ideias sobre um ano quase horrível (no Irão, no Iraque, na Palestina, na China, em Cuba, em Portugal, na Índia, em toda a África... ). E tenho de desaprender a odiar os nojentos George W.Bush, Sharon, Paulo Portas e outros escarros. Como é tão difícil, tenho de esperar mais um dia, pelo menos. Para saberem todos como custa a vida.

01.01.2004

Ainda o novo ano está nos primeiros berros e já vale a pena sorrir. Sorrir porque acabaram as festas, as compras e os presentes. Sorrir porque a calma regressa ao coração da casa. Sorrir porque o que está à frente poderá ser sempre melhor do que tudo aquilo que deixamos para trás. Por isso, a esta hora, estou contentíssimo. Não pelo arroz de pato, pelo Dão Reserva 1998, pelo Raposeira, pela tarte de espinafres, pelo bolo-rei estracejado na boca de um republicano. Mas pelo quase fim do consumerismo, uma vez que temos saldos à porta.
É linda esta hora! Nem um ruído lá fora, até a chuva parou; nem um ruído cá dentro, até a televisão se fechou. Quem dera que perdure este protegido canto da noite. E que o ano de 2004 traga a rosa-dos-ventos.

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