31.3.04

ATAQUE AOS DOENTES







Às vezes, abandonamos a poesia e lemos
o jornal com as vergonhosas notícias
dos ataques aos mais frágeis, os doentes:


SUBSÍDIO DE DOENÇA DESCE A PARTIR DE AMANHÃ

Quem entrar de baixa a partir de amanhã vai receber menos subsídio da
Segurança Social, com a entrada em vigor das novas regras sobre o subsídio
de doença, que prevêem uma redução na prestação de dez por cento nas baixas
até 30 dias e de cinco por cento entre os 30 e os 90 dias.




















Do Centro da Terra










O movimento é por dentro: a seiva
abre-se da terra e circula nos rios
interiores.

Há momentos de espera de luz:
o calor
sobe pelas árvores e aquece o ar.

A Primavera
parece nascer assim: do centro da terra
para o ar.





30.3.04






Apesar do frio, nesta Primavera nascente,

há belezas na paisagem

para não perdermos o olhar.








José Saramago









RETRATO DO POETA ENQUANTO JOVEM


Há na memória um rio onde navegam
Os barcos da infância, em arcadas
De ramos inquietos que despregam
Sobre as águas as folhas recurvadas.

Há um bater de remos compassado
No silêncio da lisa madrugada,
Ondas brancas se afastam para o lado
Com o rumor da seda amarrotada.

Há um nascer do sol no sítio exacto,
À hora que mais conta duma vida,
Um acordar dos olhos e do tacto,
Um ansiar de sede inextinguida.

Há um retrato de água e de quebranto
Que do fundo rompeu desta memória,
E tudo quanto é rio abre no canto
Que conta do retrato a velha história.



POEMA À BOCA FECHADA

Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.

Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.

Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.

Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.



FALA DO VELHO DO RESTELO AO ASTRONAUTA

Aqui, na Terra, a fome continua,
A miséria, o luto, e outra vez a fome.

Acendemos cigarros em fogos de napalme
E dizemos amor sem saber o que seja.
Mas fizemos de ti a prova da riqueza,
E também da pobreza, e da fome outra vez.
E pusemos em ti sei lá bem que desejo
De mais alto que nós, e melhor e mais puro.

No jornal, de olhos tensos, soletramos
As vertigens do espaço e maravilhas:
Oceanos salgados que circundam
Ilhas mortas de sede, onde não chove.

Mas o mundo, astronauta, é boa mesa
Onde come, brincando, só a fome,
Só a fome, astronauta, só a fome,
E são brinquedos as bombas de napalme.


José Saramago,in "Os Poemas Possíveis"


*
José Saramago nasceu na Azinhaga, Golegã, em 1922. Antigo jornalista, publicou como romancista, entre outras obras, "Levantado do Chão", "Memorial do Convento", "O Ano da Morte de Ricardo Reis", "O Evangelho Segundo Jesus Cristo", "Ensaio Sobre a Cegueira", tendo acabado de lançar o "Ensaio sobre a Lucidez" (Editorial Caminho). Outra das suas habituais edições são os "Cadernos de Lanzarote", onde tece uma amálgama de memórias, observações de quotidiano e notas sobre as suas experiências de andarilho de causas um pouco por todo o mundo. Casou com a jornalista militante Pilar del Rio tendo conquistado o Prémio Nobel da Literatura, em 1988, façanha de que foi o primeiro português a alcançar. Produziu e publicou, inclusivamente em livro ("Os Poemas Possíveis", "Provavelmente Alegria", "O Ano de 1993") alguma poesia, com realce para «Ouvindo Beethoven» ou «Fala do Velho do Restelo ao Astronauta» que receberam música e interpretação de Manuel Freire. Desde há vários anos que esolheu a ilha de Lanzarote, Canárias, Espanha, para viver, recusando manter residência em Portugal por motivos políticos, literários e pessoais.








29.3.04

29 de Março








Foi há 30 anos!



"Muitas das descobertas científicas sobre Mercúrio vêm da sonda espacial Mariner 10 que foi lançada em 3 de Novembro de 1973. Ela passou em 29 de Março de 1974 a uma distância de 705 quilómetros da superfície do planeta. Em 21 de Setembro de 1974, passou Mercúrio pela segunda vez e, em 16 de Março de 1975, pela terceira vez. Durante estas visitas, foram obtidas mais de 2.700 fotografias, cobrindo 45% da superfície de Mercúrio. Até esta altura, os cientistas não suspeitavam que Mercúrio tinha um campo magnético. Eles pensavam que, por Mercúrio ser pequeno, o seu núcleo teria solidificado há muito tempo. A presença de um campo magnético indica que o planeta tem um núcleo de ferro que está pelo menos parcialmente fundido. Os campos magnéticos são gerados pela rotação de um núcleo condutivo fundido e este efeito é conhecido por efeito de dínamo. (...)"

Foi há 30 anos que a Mariner 10 passou pertíssimo de Mercúrio.
Como foi há 30 anos que, em Braga,
nasceu um rapaz que vive perto dos olhos
com uma margarida no coração.
Parabéns.













26.3.04

Isto não é um pássaro











de um pássaro que passou
na minha varanda.


DESVELAMENTOS











1.

A literatura vive de falhas sumptuosas, de algumas certezas
encostadas ao coração. Aonde chega a palavra,
edifica-se um campo de gestos novos, verosímeis.


2.

Um homem cruza-se na rua com outro homem.
Ambos caminham para um lugar. Ninguém sabe, ainda,
por que se desconhecem. Ambos choram ao mesmo tempo.


3.

Por amor de uma areia, um homem percorreu um deserto.
Encontrou-a no fim. Num ponto de presença absoluta,
onde se pode sentir a órbita de um planeta.


4.

De algumas rochas, fica o fascínio das altas temperaturas,
das recristalizações. Chegam à superfície, depois
de milhões de anos, para fazer de pedra a casa nova.


5.

Entre o poema e o poeta, há uma gramática sem semelhanças,
uma presença de ar obscuro. Torna-se possível a unidade do mundo,
a indistinção entre língua e fala. A voz estremece.














6.

O aloés ganhou outros ventos e sobrevive, na falésia,
entre cactos e palmeiras-anãs. Sem a perturbação das grandes noites
de inverno, não suportaria o fogo das areias.


7.

Deverá haver um lugar absoluto de ausência da Palavra:
um silêncio branco para onde caminham os poetas.
Aí se encontra o primeiro ar do primeiro sopro.


8.

Estar deitado à sombra, respirar o tronco e a terra,
é um conhecimento novo. Os caminhos da montanha
são ínvios por causa do amor, do saber.


9.

O escondido está totalmente ausente,
mesmo quando a palavra o traz para a frente do corpo
e o leva para os rios substanciais.


10.

Na margem do rio, o pescador vigia a sombra da cana,
o vento que a faz vibrar. As lampreias ficaram na foz,
cosidas à rede secreta que impede a procriação.


















11.

Os acantos mostram as folhas longas. Esperam a glória
dos capitéis coríntios. Entre a vida verde e a sombra eterna,
preferem o mármore, a leveza mais alta.


12.

Depois das chuvas, os campos reverdecem, protegem a terra
do excesso de luz. Os animais pisam os caules tenros, chamam
o desdobramento das imagens.


13.

À volta das cidades, dissipam-se os traços das ruas
e avenidas organizadas. Crescem imagens de barro e abandono.
A perturbação chega a todas as praças.


14.

As palavras são músicas, nascem dentro dos corpos.
À solta, falta-lhes o cheiro das coisas, aquela memória de dentro
que só conhece quem fala. quem escreve.


15.

Manifesta-se o mundo como exterioridade, como conjunto
que sobrevive autónomo. Pudesse algum animal caminhar no vazio,
absoluto e só, tornando leve a metafísica.


















16.

As vozes dos séculos trazem histórias verosímeis, radicais.
Tornam possível a ligação. A memória envolve os seres,
torna possível a vida, o convívio com os sentidos da morte.


17.

Tantos crimes, ainda, em nome da Liberdade. Tantas feridas
em nome do território. Com sentimentos de ocupação e posse,
o planeta não tem tempo para reciclar o ar.


18.

A volúpia tem voos inebriantes, a leveza do insecto que cai
mnas primeiras chuvas. Com ela, aprende-se a esperar,
a sacudir a terra dos sapatos, antes de entrar em casa.


19.

Depois das chuvas, repete-se a metáfora do tapete verde. As flores
regressam ao campo para mais um ciclo de cores e perfumes,
sempra à espera de olhos frescos, amorosas mãos.


20.

Nuvens sobre nuvens, cinza sobre o rio: como misturar águas
com outras águas, céu, terra, brilho do alto para os peixes?
Quando a luz toca o mundo, a serenidade chega, soma tudo.


















21.

Nas casas de madeira, junto ao mar, o vento tem outro modo
de se ouvir. Os pescadores inventaram linhas de cores,
rectângulos fortes para o atrair à praia, sem ele dar por isso.


22.

Os cereais estalam ao sol, na eira de milenar granito:
a sopmbra vem à luz, a terra chega ao fogo,
antes do alimento ou do retorno ao chão semeado.


23.

Os rios ainda correm por entre os verdes silêncios
que descem dos montes. No caminho, encontram pássaros,
cantos de crianças que recolhem lixos, tintas.


24.

Daqui a séculos, alguém escreverá que este
é um tempo de fronteiras e de guerras. E que não se salvou
por querer ganhar terra, em vez de viver o seu pão.


25.

Os objectos estão aí, como qualquer coisa inútil
ao serviço de outra coisa. Por não amarmos o mundo,
a nossa matéria, cortamos laços com tudo. Estamos sós.


















26.

O mundo deixa de ser imediato quando se entra na sombra
do conhecimento. Os sulcos na terra gravam caminhos
que as sementes nunca poderão escolher.


27.

Revela-se a casa escondida, o conhecimento adormecido na tribo:
a paisagem renova-se. O que é essencial funda mitos
em que pode participar o território da Grande Mãe.


28.

A entrada na casa de pedra, pelo semicírculo aberto na base:
a festa da água quente. Com menos calort, ainda, se pode adormecer,
quando é preciso iniciar a viagem.


29.

Pode mudar-se o nome
como quem caminha para outro lugar. Depois da diferença,
aparece o campo ignoto de todas as outras viagens.


30.

As mulheres recolhem conchas, na maré vaza.
Olham os barcos, à tarde. A ausência pode ser a mão na areia molhada,
os olhos para uma luz emergente.


















31.

Através da fresta, da fechadura, pode esperar-se a visão
do que não vemos. Alguém se consome com o desejo
de morar em outro lugar.


32.

A condição humana não tem ordem para o condicionamento.
As paredes marcam margens de alguns caminhos
mas nelas pode florescer a mais secreta violeta.


33.

Debaixo da árvore, com os pés bem fixos na terra,
esconde-se um novo animal. O movimento da Terra traz outra luz.
Assim, desaparece a primeira sombra.


34.

Os homens que falam sós na cidade:
a nostalgia dos grandes voos, esta febre de não poder arder
neste lugar de palavras, onde o próprio ar se repete.


35.

A poesia é um caminho subterrâneo, um lugar
de palavras húmidas. O sol, quando bate, transporta
a própria viagem de circundar a ilha dos afectos.


















36.

O triângulo cabe dentro do círculo mais pequeno,
como o quadrado, os poliedros. Ou as formas que quisermos
inventar para iludir o poder da Forma Suprema.


37.

As feridas mais profundas inscrevem-se no lado dramático
de conhecer o mundo. As lágrimas caem sós. O desespero provoca
o próprio ar que se respira.


38.

Há coisas demasiado simples para poder dizê-las,
como a diferença entre os verdes que cobrem as montanhas.
Não têm nome próprio. Nem sequer as suas sombras.


39.

Os jardins diante das portas não vivem só da própria beleza:
protegem, resguardam, mostram, escondem. Através deles,
poderemos chegar ao coração húmido da casa.


40.

Há uma história sem povo que fala de castelos, palácios,
alcáçovas, poder. Nenhuma razão para o esquecimento
de milhões de pessoas que os construíram.

















22.3.04

Mártir






Assim, se faz um mártir,

com toda a revolta acumulada.

Assim se caminha para o precipício.

Assim, se promove o ódio

e se alarga o terrorismo:

com as cumplicidades

criminosas

de Israel.

Sempre.






PRIMAVERA







Chegou a Festa da Primavera.

Equilibram-se os dias e as noites.

Respira-se a leveza do Sol.


É mais leve o ar, a respiração do mundo.


Mas há lugares sem razão, pesados, nocturnos:

são os lugares dos inocentes nas prisões, dos mortos

sem razão, dos que não podem respirar a Luz que levita

à volta das coisas mais pequenas

e revela a beleza e a sombra, a força escondida da terra

e a sabedoria do mundo.


Mas é Primavera:

ainda é possível um jardim.








TERRORISMO









O terrorismo é uma das vergonhas da humanidade, seja do Hamas ou da ETA, da Al-Qaeda ou de qualquer Frente Armada de "Libertação", como há tantas por esse planeta fora.
Mas também há um terrorismo de Estado, igualmente vergonhoso, e que mata à margem das leis e da Justiça.
Como aconteceu agora, em Gaza, com o assassínio de Ahmed Yassin, dirigente do Hamas.

Israel tem praticado esse terrorismo de Estado, matando "selectivamente" (dizem eles), à margem dos Direitos Fundamentais, sem qualquer julgamento.
Ao lado, morrem civis inocentes ( danos colaterais ) e ficam mutilados outros.
Ninguém se lembrará destes últimos, afinal.

A democracia deverá mostrar a sua superioridade em relação à barbárie.
O que Israel faz é terrorismo, assassínio, barbárie. Iguala-se no crime.

É Israel que iguala Sharon a Yassin.

Os líderes do terrorismo aí estão: um morto, outro vivo,
mas ambos fazendo parte dessa vergonha que tolda a humanidade.







Maria João Pires







A notícia é simples e vem publicada no último Expresso, com o título "Maria João Pires arrasa Governo". Como é pequena, podemos transcrevê-la na íntegra:

"A pianista Maria João Pires arrasa o governo e os políticos portugueses numa entrevista ontem publicada no jornal "El Pais". Acusa o ministro da Educação , David Justino, de lhe ter reduzido sem explicações as ajudas financeiras para o centro de Belgais e avisa que não participará "em mais mentiras".
"O meu país não tem consistência e, mais grave, não se interessa por educação", conclui a pianista".

Ficamos quase espantados. Dizemos "quase" porque parece esperada uma atitude de menosprezo por um Centro Cultural como o de Belgais. Cheira a infância, cheira a música, cheira a cultura.

A crítica de MJP é dramática e não pode ficar impune. Publicada em Espanha, transmite uma imagem "realista" de um país que esquece o essencial, que mantém milhares de professores no desemprego, enquanto o analfabetismo e a iliteracia campeiam; que mantém turmas enormes, onde é quase impossível trabalhar; que não tem apoios individualizados para os alunos de outras línguas maternas que abandonam o sistema por se sentirem frustrados. E mil outras coisas.

Dos seus trabalhos, vale a pena referir alguns recentes sucessos discográficos: assinalam-se os Cd’s "Moonlight", com Sonatas de Beethoven; "Le Voyage Magnifique", integral dos Impromptus de Schubert; Nocturnos e outras obras de Chopin; Trios de Mozart com Augustin Dumay (violino) e Jiang Wang ( violoncelo ); de Schumann; o Concerto de Piano com a Orquestra da Câmara da Europa dirigida por Claudio Abbado, e o quinteto em que colaboram Augustin Durnay, Renaud Capuçon, Gerard Coussé e Jiang Wang; e merecida referência a um primoroso CD gravado ainda na Erato, Sonatas e a Fantasia de Mozart, entre tantos outros belíssimos registos.



20.3.04

MANIFESTAÇÃO - HOJE













Há um ano, iniciou-se o ataque ao Iraque.
Em nome de mentiras, sabemos hoje.
Em nome do petróleo, já o sabíamos.
Em nome da experimentação de novas armas.
Em nome do saque.
Em nome da repressão.

Hoje sabemos que morreram cerca de 10 000 civis (declara-o a Amnistia Internacional).
Sabemos que a paz que os agressores queriam não chegou.
Que os direitos humanos foram reduzidos.
Que o terrorismo aumentou.
Que a democracia não se impõe à bomba.
Que Guantánamo pertence à pré-história da humanidade.




HOJE, em LISBOA e no PORTO, TODOS À MANIFESTAÇÃO CONTRA A CONTINUAÇÃO DA BARBÁRIE !
















19.3.04

EQUINÓCIO








Aproxima-se o EQUINÓCIO DA PRIMAVERA.

Sente-se no ar a elevação da Luz.

Equilibram-se o dia e a noite.

Aproxima-se o tempo das revelações.

Basta olhar o coração das montanhas.

Ouvir a palpitação dos campos.

Sorrir aos cálamos que chegam.

Estar por dentro da seiva das árvores.





18.3.04

Tinta







Às vezes, navego. E vale a pena.
É que podemos encontrar paisagens
perdidas no lugar dos sonhos.
E corpos. Bocados do corpo.
Carne viva.

( Como aqui )








DESVELAMENTOS ( 2 )









Um homem cruza-se na rua com outro homem.
Ambos caminham para um lugar. Ninguém sabe, ainda,
por que se desconhecem. Ambos choram, ao mesmo tempo.









17.3.04

DESVELAMENTOS ( 1 )









A literatura vive de falhas sumptuosas, de algumas certezas
encostadas ao coração. Aonde chega a palavra
edifica-se um campo de gestos novos, verosímeis












SEDNA





Às vezes, poderemos ficar presos a uma palavra. por exemplo: "SEDNA". A mim, lembra-me o rio Sena, as margens sempre iluminadas do coração de Paris, as pontes, as escadas, a ilha, os passeios das margens, os "boukinistes".

Mas não.

O SEDNA é um planetóide, recentemente descoberto, para lá, ainda, de Plutão. É maior do que um asteróide e menor do que um planeta, daí chamarem-lhe planetóide. Linda a palavra. Fica aqui registada.

Mas o registo leva números: está a 13 mil milhões de quilómetros e três vezes mais longe que Plutão (descoberto em 1930). Sedna foi avistado, pela primeira vez, em 14 de Novembro de 2003. Poderia ser o décimo planeta, caso não fosse tão pequeno. Mas que tem nome de Sena e de seda, não há qualquer dúvida. Linda palavra.




16.3.04

Desvelamentos





À noite, a partir das 21h30, no Fórum Romeu Correia, em Almada, teremos "O Pranto de Maria Parda", de Gil Vicente, pela actriz Maria do Céu Guerra.

Depois, será a entrega do "Prémio Literário Cidade de Almada - 2003" ao inédito de poesia "Desvelamentos".
Não esqueçam, amigos! Hoje moramos na Margem Sul, com alguns poemas encostados ao coração.

GOETHE





"Cada pedaço da realidade, bem observado, abre em nós um novo órgão."

Goethe

Poema do Dia

Encostado ao Tejo
poderia ter um poema para este dia de sol.
O perfume espalha-se até ao outro lado do rio.

Desvela-se um espaço pequeno do mundo
e voam aves sobre as marés.

E continua a festa das coisas pequenas.
E o universo concentra-se, ainda,
nas coisas mínimas da terra.


15.3.04

ELEIÇÕES em ESPANHA

O Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) venceu as eleições e o poder mudará de mãos. Uma alegria contida percorre a espanha, em tempos de dor.
A derrota de Aznar e do PP premeia os que se batem pela paz e não alinham no bushismo reinante.
Vale a pena, ainda, referir a grande vitória da Esquerda Republicana Catalã (ERC), premiando a coragem de abandonar as meias tintas ideológicas. A perda de 100 mil votos pelo Bloco Nacionalista Galego e consequente perda de 1 deputado castiga esse espírito de nem-cá-nem-lá que tem comandado os galeguistas. A Galiza merece mais e melhor.
A vitória do PSOE, com mais de 1 milhão de votos sobre o PP, aponta para uma Espanha menos crispada e mais democrática. A ver vamos.
Para não acontecer, como em Portugal, uma indistinção ideológica e pragmática entre o PS e o PSD.

RESULTADOS em 2004 RESULTADOS em 2000deputados N.º VOTOS % 2000

PSOE 164 10.909.687 42,64% 125 7.918.752 34,16
PP 148 9.630.512 37,64% 183 10.321.178 44,52
CiU 10 829.046 3,24 15 970.421 4,19
ERC 8 649.999 2,54 1 194.715 0,84
EAJ-PNV 7 417.154 1,63 7 353.953 1,53
IU 5 1.269.532 4,96 8 1.263.043 5,45
CC 3 221.034 0,86 4 248.261 1,07
BNG 2 205.613 0,80 3 306.268 1,32


OUTROS PARTIDOS: CHA 1 - EA: 1 - Na-Bai: 1

Escrutinados: 99.99% - Participação: 77,21% - 03:42 h

11.3.04

Dia Europeu das Vítimas do Terrorismo

El Parlamento Europeo declara el 11 de marzo como Día Europeo de las Víctimas del Terrorismo

O PESO DO SILÊNCIO




CANALHAS



CANALHAS

É uma afronta para toda a humanidade
e não só para os povos de Espanha.

Os assassinos deixaram as cavernas putrefactas
para espalhar a morte na cidade.

São escumalha: canalhas, cobardes,
inimigos da Liberdade e da Tolerância.

Exalam um fétido fedor trazido dos antros
apodrecidos da humanidade.


NO TEMPO DOS ASSASSINOS

Este é o tempo dos assassinos:
o dia amanhece com sangue inocente,
corpos entre ferros, em Madrid.

Não há lugar para a música:
os versos ficaram no lado branco
dos gritos de Lorca, Hernández, Machado.

Um silêncio traz a raiva, a traição,
o desespero acumulado:
este é o tempo dos assassinos.

Temos o coração pesado.
Estamos todos de luto
no tempo dos assassinos.








10.3.04

POEMA DO DIA





APELO


Vem,
pelas altas sendas da terra, minha amada,
traz a magnólia dos paraísos perdidos,
e na garganta altiva um colar de orvalho
e âmbar,
vem, antes que seja tarde e
o tigre venha banhar-se na água azul dos
teus lagos,
resguarda o jasmim do teu corpo,
as suas doces colinas semeadas,
vem,
agora que já canta o invisível pássaro do
poema e das estrelas,
agora que estou só
no cais dos dias atlânticos e longos,
vem,
embarca neste veleiro que parte,
ninguém sabe para onde,
levando os teus olhos tristes que não
voltarei a ver.


JOSÉ AGOSTINHO BAPTISTA

(in "Anjos Caídos", Assírio & Alvim", 2003)


BIBÒ PORTO !

O empate de ontem, em Manchester, trouxe-nos uma alegria
que não vale a pena esconder.
Todos os portugueses que apreciam qualquer coisinha deste
recanto rectangular e salpicado de ilhas
tocaram uma fímbria da alegria.
Foi lindo!
Bibò Porto!


9.3.04

RILKE





PÓRTICO


Quem quer que sejas: Quando a noite vem,
sai do teu quarto onde tudo conheces;
a tua casa é a última ante o longe:
Quem quer que sejas.
Com teus olhos, que, de cansados, mal
conseguem libertar-se do teu limiar gasto,
levantas devagar uma árvore negra
e põe-la ante o céu: esguia, só.
E fizeste o mundo. E ele é grande
e como palavra ainda a amadurar no silêncio.
E quando o teu querer abrange o seu sentido,
teus olhos o abandonam, ternamente...




RAINER MARIA RILKE (1875-1926)

(in "POEMAS - Elegias de Duíno - Sonetos a Orfeu",
Prefácios, Selecção e Tradução de Paulo Quintela,
Edições Asa, 4ª. Edição, 2001)

8.3.04

Ana Drago




CARTA ABERTA

Li. Reli.
Pensei.
Demorei.
E perguntei-me: "Por que não?

E dessa corajosa "Carta aberta ao primeiro-ministro", inserta no jornal PÚBLICO de hoje, Dia Internacional da Mulher, respiguei:

"Sou. Sou a mulher que nunca teve educação sexual na escola, ao contrário das holandesas; sou a mulher que não poderá ter três anos de licença de parto como as suecas; sou a mulher que não pode ter direito a aconselhamento no caso de uma gravidez indesejada como as americanas; sou a mulher que não terá direito a fazer um aborto em condições de segurança em Portgal, e, certamente, serei a mulher que irá parar ao banco do tribunal, se a polícia o descobrir. Ser mulher, aqui, neste pequeno país, é carregar o peso-pesado de uma concepção machista que vigia o corpo feminino e o peso morto de uma classe política sem coragempara consagrar a modernidade democrática."

Mas é para ler na íntegra. A coragem também se lê!

MULHER





PORQUÊ O DIA 8 DE MARÇO ?

1. Lê-se no PÚBLICO de hoje:

"O dia de hoje é comemorado porque em 1859, em Chicago,, na luta pela redução do horário de trabalho para dez horas, mais de uma centena de operárias foram mortas pela entidade patronal."(cf. Bárbara Wong,"Uma Luta que vem de Longe", p.26)

Duvidamos da "entidade" assassina, tão datadamente chamada de "patronal" e duvidamos da data e do local.

Vamos pesquisar a um sítio e lemos:

Neste dia, do ano de 1857, as operárias têxteis de uma fábrica de Nova Iorque entraram em greve, ocupando a fábrica, para reivindicarem a redução de um horário de mais de 16 horas por dia para 10 horas. Estas operárias que, nas suas 16 horas, recebiam menos de um terço do salário dos homens, foram fechadas na fábrica onde, entretanto, se declarara um incêndio, e cerca de 130 mulheres morreram queimadas. Em 1910, numa conferência internacional de mulheres realizada na Dinamarca, foi decidido, em homenagem àquelas mulheres, comemorar o 8 de Março como "Dia Internacional da Mulher". De então para cá o movimento a favor da emancipação da mulher tem tomado forma, tanto em Portugal como no resto do mundo.

E lemos, ainda:

1857 - Estados Unidos
No dia 8 de Março, em Nova Iorque, greve das opcrárias têxteis para obter a igualdade de salários e a redução das horas dc trabalho, para 10 horas por dia.


Para confirmar, vamos a outro sítio de conhecimentos gerais e lemos:

8 de março – Em 8 de março de 1857, 129 operárias de uma fábrica têxtil de Nova York entram em greve. Reivindicam salário igual ao dos homens e redução da jornada de trabalho, que chega a 16 horas diárias. Os patrões trancam as operárias e incendeiam a fábrica. Todas as grevistas morrem queimadas. Em 1910, o 1º Congresso Internacional das Mulheres, na Dinamarca, escolhe o 8 de março como Dia da Mulher. Operárias em greve já não são queimadas e a mulher conquista, às vezes lentamente, parte dos direitos pelos quais luta há mais de um século. No Brasil, o direito ao voto só é reconhecido na Constituição de 1934. A primeira governadora é eleita 60 anos depois.


Pensamos no Dia 1 de Maio, Dia do Trabalhador e em Chicago, já que

"O Dia Mundial do Trabalho foi criado em 1889, por um Congresso Socialista realizado em Paris. A data foi escolhida em homenagem à greve geral, que aconteceu em 1º de maio de 1886, em Chicago, o principal centro industrial dos Estados Unidos naquela época."

2. Coincide a cidade mas não a data. Quem terá razão?

3. E se, em vez de uma mulher (Bárbara Wong), fosse um homem a incorrer em tal incorrecção? Seria mais uma prova de machismo?

E se Zapatero, em Espanha, em tempo de campanha eleitoral, não propusesse benefícios para os patrões que empreguem tantas mulheres como homens? Risível mas confirmado, como as quotas de deputadas ou de candidatas a deputadas.

E se, na manifestação de sábado passado, dia 6 de Março, em Paris, não tivesse havido divisões entre os 7 000 manifestantes, divididos pelo uso do véu que liberta as mulheres, para uns, e oprime, para outros ? E por que diziam umas mulheres "Nem putas nem submissas!" e outras "Nós somos muito putas e muito veladas!"?

E por que foi diminuido, em Portugal, o subsídio de doença, quando sabemos que são as mães que faltam mais (um, dois ou três dias) por causa dos filhos menores? E por que não gritamos que esta medida foi apregoada por um ministro que se diz católico e defensor dos direitos da família?

Há tanto que pensar durante todo o ano! E não é só a violência doméstica ou a IVG ou a excisão clitoridiana. Nem todos os dias chegam para tanta desigualdade entre os seres humanos.




Carlos Paredes





EXPOSIÇÃO

Foi ontem, na Cordoaria Nacional (Torreão Norte) - Avenida da Índia, a inauguração de uma Exposição colectiva de 50 artistas que oferecem os seus trabalhos a Carlos Paredes. Intitula-se "Arte para Carlos Paredes" e estará aberta ao público, com entrada livre, até 8 de Abril. O objectivo desta quinta iniciativa do projecto MOVIMENTOS PERPÉTUOS é contribuir para um fundo " a ser aplicado numa pesquisa sobre a vida e a obra do compositor para futura digitalização de todo o espólio".

Assim, vale a pena.

A emoção toca muita gente.

Como a música de Carlos Paredes.

6.3.04

Ruy Belo





METAMORFOSE


Ó homem que passas tranquilo na rua
atrás de qualquer próximo perfume
e chegas a casa sem incidentes
ó homem que tens à espera de ti
virada a esquina da rua e do tempo o teu próprio rosto
não tenhas pena de quem morre
de árvore para árvore
e é diferente no princípio e no fim da rua


Ruy Belo (1933-1978)

5.3.04

JOAN MIRÓ (1893-1983)



Como falámos de pintura nos últimos dias (Tápies e os cinco da "modernidade" portuguesa, por exemplo), regressamos a Joan Miró e ao Centro Pompidou ( Beaubourg ), em Paris. É que foi inaugurada a exposição "Joan Miró 1917 - 1934, la naissance du monde", que é como quem diz "o nascimento do mundo", do mundo de Miró, é claro, feito de um cubismo "revisto e corrigido, vivificado, fragmentado e caleidoscópico", passando pelo surrealismo, quando abandona o realismo pelo imaginário e se evade no "absoluto da natureza". Ver e rever as obras deste pintor e escultor catalão é sempre uma festa. Como visitar a Fundação Joan Miró ou, agora, aproveitar uma estada em Paris e, por 7 ou 9 euros, revisitar os anos iniciais de Miró.

São 240 obras expostas.

Até 28 de Junho.

Afinal, o mundo não vai acabar em Maio.

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