29.6.05

EMÍDIO GUERREIRO




Retiro do jornal PÚBLICO a notícia da morte de EMÍDIO GUERREIRO, um conterrâneo e amigo:

"Emídio Guerreiro, figura proeminente na luta contra a ditadura salazarista, morreu hoje em Guimarães, aos 105 anos de idade, noticia a Lusa.

Segundo a SIC Notícias, o corpo de Emídio Guerreiro será transladado ainda hoje para Lisboa, onde ficará em câmara ardente na casa maçónica, de acordo com a sua última vontade. A data do funeral ainda não é conhecida.

Ao longo da sua longa vida, que atravessou três séculos, Emídio Guerreiro assistiu à implantação da República, viu nascer e morrer a ditadura, de que foi um dos mais destacados combatentes, atravessou duas guerras mundiais e participou na construção do regime democrático em Portugal.

Emídio Guerreiro nasceu a 6 de Setembro de 1899, em Guimarães, numa família de ideais republicanos, que acolheria como seus durante toda a vida.

Frequentou a Universidade do Porto, onde cursou Matemática, depois de ter lutado como voluntário na I Guerra Mundial, o seu primeiro encontro com a conturbada história do século XX.

Em 1926, um golpe de Estado impõe a ditadura em Portugal, mas a 3 de Fevereiro do ano seguinte Emídio Guerreiro junta-se aos revoltosos que, em vão, tentaram derrubar o poder dos golpistas. Em 1928, funda no Porto a loja maçónica "A Comuna", do Grande Oriente Lusitano Unido.

Em 1932, escreve um panfleto contra o então presidente Óscar Carmona, acabando por ser detido, mas um ano depois conseguiria evadir-se, iniciando um exílio que se prolongaria por mais de 40 anos. A primeira paragem é em Espanha, onde dá aulas, mas o início da guerra civil leva-o a combater ao lado das forças republicanas.

Em 1939, com a vitória dos franquistas, fixa-se em França, passando à clandestinidade quando os nazis invadem o país, durante a II Guerra Mundial, tendo sido membro activo da resistência à ocupação alemã.
Findo o conflito, Emídio Guerreiro voltou ao ensino de Matemática na Academia de Paris.

Na capital francesa, funda em 1967, juntamente com outros exilados políticos, a LUAR, Liga Unificada de Acção Revolucionária, para combater o regime salazarista.

De regresso a Portugal, depois do 25 de Abril, participou na fundação do PSD, tendo sido eleito secretário-geral do partido em 1975. Deputado à Assembleia Constituinte, viria a afastar-se do PPD, descontente com o rumo que o partido estava a seguir, tendo-se aproximado nos últimos anos do PS.

Em entrevista ao "Expresso", por ocasião do centenário do seu nascimento, Emídio Guerreiro elegeu a dignidade humana como o ideal que norteou a sua vida. "Como não pode haver dignidade se não houver liberdade, naturalmente que eu lutei pela liberdade. Lutei contra todos os regimes prepotentes, lutei contra todas as ditaduras", afirmou."


UMA ROSA VERMELHA PARA ESTE CIDADÃO DO MUNDO.

GALIZA






A vitória do PSG (Partido Socialista da Galiza) e do BNG (Bloco Nacionalista Galego), somando 38 deputados no Parlamento Autónomo, em Santiago de Compostela, acaba com o consulado de Fraga Iribarne e do PP (Partido Popular).
É o fim de uma era e corresponde a varrer o PP do poder em toda a Espanha.




Fraga Iribarne é o último dinossauro de uma época de negrume, como foi a ditadura franquista.Ministro da Informação e Turismo de Franco, foi responsável pela censura à imprensa e pelo estado de emergência, a quando do garroteamento de patriotas bascos. Dessa época de chumbo ficam alguns retratos nos filmes de Almodôvar, o mesmo que, há anos, confessava ao 'Expresso' continuar a espantar-se por "ser possível um filho da puta, como Fraga Iribarne, ser o Presidente de um governo regional."



A GALIZA aí está para a festa. Irmã que um rio separou, ei-la pronta a sacudir algumas teias de aranha e a singrar no caminho da Liberdade e da Democracia, sem a batuta de um apaniguado franquista que a História ainda não teve a coragem de julgar.





Oxalá os galegos possam varrer os restos da tralha franquista que ainda resta (incluindo estátuas do ditador e seus biltres) e construir a UNIDADE ainda difícil (basta reparar que o PP ainda escreve 'GALICIA', como em castelhano, enquanto o BNG escreve 'GALIZA', como em português, para não falarmos de outros aspectos linguísticos que, às vezes, arrepiam, como cicatrizes inedeléveis de um longo tempo em que o falar galego era proibido).
De Portugal, um sorriso para as rias, para as bateias onde crescem mexilhões e vieiras, para Castelão, Rosália de Castro, Manuel Maria e muitos mais que não puderam ver estes dias de Junho, sempre com a música de Emílio Cao, Uxía e muitos outros, como fundo.
E para as dezenas de amigos galegos, da Ilha de Arousa até à Corunha, aquele abraço!




28.6.05

SABEDORIA





Eu não tenho vistas largas
Nem grande sabedoria
Mas dão-me as horas amargas
Lições de filosofia.


António Aleixo
*** como citação de um leitor assíduo.

MEMÓRIA




Em tempos nacionais de contestação social, persiste a memória de um 'tempo de cerejas' (ah, 'le temps des cérises'!), no longínquo Maio de 1968. A ele retornamos, através do 'Le Monde Diplomatique'e do novo livro de Kristin Ross, professora de Literatura Comparada na Universidade de Nova Iorque:

“Éramos umbiguistas, esquecidos do mundo exterior, não víamos o que se passava no resto do mundo, estávamos dobrados sobre nós mesmos.” (Bernard Kouchner, Maio de 1988). Assim, por uma simples pirueta, Kouchner arroga-se o direito de varrer uma dimensão inteira do movimento de 1968, a saber a sua relação com as lutas anticolonialistas e anti-imperialistas, como o Vietname, a Algélia, Cuba.
“Por volta do ano 1968, em todo o mundo ocidental, aparece na cena pública uma nova personagem colectiva: a classe de idade adolescente. (...) E afirma-se por oposição ao mundo adulto.” Estas frases de um editorial do Le Monde no trigésimo aniversário do Maio 68 assemelham-se a uma apreciação de Raymond Aron: “ Estamos em presença de um fenómeno que tem tanto de biológico como de social.” E confirmam a vontade de enterrar o carácter social do Maio 68, revolta de massas que tocou todos os sectores do trabalho, todos os grupos etários.
Em trinta e cinco anos, a memória do Maio 68 ficou escondida sob as comemorações, reduzida à “libertação dos costumes”, quando foi a mais importante contestação da ordem social existente. É para reabilitar o sentido real do acontecimento que Kristin Ross nos convida.




27.6.05

ANTÓNIO ALEIXO




A caixa do jornal PÚBLICO, de hoje, é elucidativa sobre a lusa angústia:

"Quatro meses depois de ter sido eleito, José Sócrates tem nas mãos um país "deprimido" e pouco esperançado na retoma da economia. Quase 90 por cento dos inquiridos considera a situação económica "má" ou "muito má". O desemprego, o aumento dos impostos, a perda de direitos na Função Público e um "buraco" no défice superior a 9 mil milhões de euros ajudam a afundar a confiança na economia de um país que se encontra em crise desde 2002."

De qualquer modo, VAMOS RIR! A DEPRESSÃO SÓ FAZ BEM AOS QUE SE ALIMENTAM DA CRISE DOS OUTROS!



E ler um bocadinho do ANTÓNIO ALEIXO:

Embora os meus olhos sejam
os mais pequenos do mundo
o que importa é que eles vejam
o que os homens são no fundo

Que importa perder a vida
na luta contra a traição
se a razão mesmo vencida
não deixa de ser razão

Vós que lá do vosso império
prometeis um mundo novo
calai-vos que pode o povo
querer um mundo novo a sério

Eu não tenho vistas largas
nem grande sabedoria
mas dão-me as horas amargas
lições de filosofia

24.6.05

'FAGULHAS'




JACARANDÁ

A falta daquela ilha ilha começa
outra vez a mexer no teu peito
Já sabes que nos fins de Maio
quando o jacarandá começa
a florir voltam esses pesares




BUGANVÍLIA

Olha e vê como sem pudor a buganvília
se derrama por entre os dias do Verão
e como esplêndida mostra a sua ambição
ao roubar a auréola à luz que a rodeia




CEREJAS

Falando das árvores do parque foi
ela quem te lembrou como altas as
cerejas esperam pelo sol que lhes dê
sangue e açúcar e como atentos os
pássaros traçam as esperas incertas


Luís Viveiros (in Fagulhas,Lisboa, Instituto Piaget)

*** Nota: Foi ontem, mesmo ao pôr-do-sol,o lançamento do novo livro do poeta Luís Viveiros. "Espaço dos Sentidos", eis o nome do lugar desta aproximação ao poema, ali mesmo no coração de Oeiras. Dos muitos amigos presentes, uma pétala especial para o João Rui de Sousa, poeta de muitas viagens.
A poesia já fazia aqui um bocadinho de falta, não acham?
Em tempos nacionais tão prosaicos, tocamos flores e frutos, para não perdermos o sentido da Sadedoria e da Beleza.

23.6.05

E AGORA, JORGE?




COMO SE NÃO BASTASSE A SANHA CONTRA OS PROFESSORES E CONTRA TODOS OS FUNCIONÁRIOS DA ADMNISTRAÇÃO PÚBLICA, CHEGOU, AGORA, A VEZ DO PR, JORGE SAMPAIO.
ENTÃO NÃO É QUE ELE APARECE A DIZER PARA OLHARMOS PARA O EXEMPLO DA FINLÂNDIA ONDE OS PROFESSORES "TRABALHAM 50 HORAS POR SEMANA", QUANDO EM PORTUGAL SE FICAM PELAS 22 LECTIVAS E 35 SEMANAIS?
A EMBAIXADA DA FINLÂNDIA CONFIRMA: "NA FINLÂNDIA, OS PROFESSORES TÊM ENTRE 15 E 23 HORAS LECTIVAS E, NO MÁXIMO, 27 HORAS E 15 MINUTOS SEMANAIS DE TRABALHO"!
VAMOS OUVIR O DESMENTIDO? VAMOS CONTINUAR NESTE ACHINCALHAMENTO DOS PROFESSORES?
E COMO SERIA POSSÍVEL TRABALHAR 50 HORAS NA FINLÂNDIA? 8 POR DIA, INCLUINDO O SÁBADO, MAIS 2 AO DOMINGO (8x6 = 48+2 = 50 )? E COMO É POSSÍVEL OUVIR DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA UM TAL DISLATE ? SERÁ QUE O PODER ENSANDECEU DE VEZ?

ASSIA DJEBAR




Uma saudação especial para a escritora argelina ASSIA DJEBAR, primeira mulher do Magrebe a entrar na Academia Francesa. Aconteceu ontem a eleição desta romancista nascida em 1936, em Cherchell, nos arredores de Argel, e que, em 1956, se iniciou na vida literária com o romance "LA SOIF" ("A SEDE").
"Figura emblemática da emancipação das mulheres da Argélia", Assia Djebar vem revelar uma abertura da Academia Francesa, instituição fundada em 1635 e constituída por 40 membros permanentes.

21.6.05

SOLSTÍCIO DE VERÃO

É hoje o dia mais longo do ano.
Tempo de S. João. Do Fogo. Da LUZ.
O SOL parece ter parado ('SOLSTÍCIO' significa, etimologicamente, "O SOL PÁRA" porque a sua elevação zenital parece não mudar de um dia para o outro, nesta época do ano:"SOLSTÍCIO", palavra composta de 'SOL' e 'STARE',Parar ).

Hoje é dia para a Grande Festa das Fogueiras que o S. João vai trazer.
É tempo para pensar na RENOVAÇÂO, no tempo que passou e no que vai chegar.
É tempo de lembrar a Humanidade que ainda vive na SOMBRA: os que morrem de fome ou sem medicamentos, os escravos, os explorados,os presos injustamente, os analfabetos, os que não têm qualquer acesso à Educação, à Saúde, à Justiça, à Liberdade, à Dignidade.
Neste DIA DE FESTA DA LUZ, vale a pena reflectir.

SOMOS TODOS PÓ DAS ESTRELAS, como dizia o Carl Sagan.




SARTRE / MAIO DE 68
















Recordar hoje o centenário do nascimento de Jean-Paul Sartre (LER A SEGUIR) é pensar naqueles dias de FESTA que ajudaram a mudar as mentalidades europeias e não só. É que SARTRE estava ao lado dos manifestantes.

Desse tempo, há frases que ficaram para sempre:
- "É PROIBIDO PROIBIR!"
- "SOMOS REALISTAS, QUEREMOS O IMPOSSÍVEL!"
- "A IMAGINAÇÃO AO PODER!"
- "O SONHO É REALIDADE!"
- "ABAIXO O REALISMO SOCIALISTA! VIVA O SURREALISMO!"
- "DEBAIXO DOS EMPEDRADOS, A PRAIA!"
- "A VIRGINDADE PROVOCA O CANCRO!

SARTRE - 100 ANOS




Em 21 de Junho de 1905, há precisamente 100 anos, nascia Jean-Paul Sartre. Filósofo, dramaturgo, romancista, activista político francês, Sartre deixou marcas profundas no pensamento do séc. XX europeu. Ler "O SER E O NADA", "A NÁUSEA", "O DIABO E O BOM DEUS" ou "AS PALAVRAS" é continuar o prazer de um fundador da corrente existencialista e da definição do Homem com "SER PARA A LIBERDADE".


Uma síntese da sua vida e obra:

1905 – Jean-Paul Sartre nasce em Paris, a 21 de Junho.

1907 – Morte de seu pai: Muda-se para a casa da avó materna, em Meudon; retorna a Paris quatro anos depois.

1917 – Em Novembro, os comunistas conquistam o poder na Rússia. 1922 – Mussolini, na Itália, instaura o regime fascista.

1924 – Sartre matricula-se na Escola Normal Superior, em Paris. Conhece Simone de Beauvoir.

1931 – É nomeado professor de filosofia no Havre.

1933 – Hitler instaura o regime nazi na Alemanha.

1936 – Sartre publica A Imaginação e A Transcendência do Ego.

1938 – Publica A Náusea.

1939 – Eclode a Segunda Guerra Mundial.

1940 – Servindo na guerra, Sartre é feito prisioneiro pelos alemães e enviado para um campo de concentração.

1941 – Liberto, volta a França e entra para a Resistência. Funda o movimento Socialismo e Liberdade.

1943 – Publica O Ser e o Nada.

1945 – Fim da Segunda Guerra Mundial. Sartre dissolve Socialismo e Liberdade e funda, com Merleau-Ponty, a revista Les Temps Modernes.

1952 – Sartre ingressa no Partido Comunista Francês.

1956 – Rompe com o Partido Comunista. Escreve O Fantasma de Staline.

1960 – Sartre publica Crítica da Razão Dialéctica.

1964 – Publica As Palavras. Recusa o Prémio Nobel de Literatura.

1968 – Durante a revolta estudantil na França e em várias partes do mundo, Sartre põe-se ao lado dos estudantes nas barricadas.

1970 – Sartre assume simbolicamente a direcção do jornal esquerdista La Cause de Peuple, como protesto pela prisão dos seus directores.

1971 – Publica O Idiota da Família.

1973 – Colabora na fundação do jornal libertário Libération.

1980 – Morre Jean-Paul Sartre.


Nota: Em português, existe uma obra imperdível "O SÉCULO DE SARTRE", de Bernard-Henry Levy (Quetzal, 2000, 712 pp.)

20.6.05

CARTA ABERTA




CARTA ABERTA AO ENGENHEIRO JOSÉ SÓCRATES

Esta é a terceira carta que lhe dirijo. As duas primeiras, motivadas por um
convite que formulou mas não honrou, ficaram descortesmente sem resposta. A
forma escolhida para a presente é obviamente retórica e assenta num direito
que o Senhor ainda não eliminou: o de manifestar publicamente indignação
perante a mentira e as opções injustas e erradas da governação.

Por acção e omissão, o Senhor deu uma boa achega à ideia, que ultimamente
ganhou forma na sociedade portuguesa, segundo a qual os funcionários públicos
seriam os responsáveis primeiros pelo descalabro das contas do Estado e pelos
malefícios da nossa economia. Sendo a administração pública a própria
imagem do Estado junto do cidadão comum, é quase masoquista o seu
comportamento. Desminta, se puder, o que passo a afirmar:

1. Do Statistics, in Focus n.º 41/2004, produzido pelo departamento oficial de estatísticas da União Europeia, retira-se que a despesa portuguesa com os salários e benefícios sociais dos funcionários públicos é inferior à mesma despesa média dos restantes países da Zona Euro.

2. Outra publicação da Comissão Europeia, "L'Emploi en Europe 2003", permite comparar a percentagem dos empregados do Estado em relação à totalidade dos empregados de cada país da Europa dos 12. E que vemos? Que em média, nessa Europa, 25,6 por cento dos empregados são empregados do Estado, enquanto em Portugal essa percentagem é de apenas 18 por cento. Ou seja, a mais baixa dos 12 países, com excepção da Espanha. As ricas Dinamarca e Suécia têm quase o dobro, respectivamente, 32 e 32,6 por cento. Se fosse directa a relação entre o peso da administração pública e o défice, como estaria o défice destes dois países?

3. Um dos slogans mais usados é o do peso das despesas de saúde. A insuspeita OCDE diz que na Europa dos 15 o gasto médio por habitante é de 1458 €. Em Portugal esse gasto é... 758 € Todos os restantes países, com excepção da Grécia, gastam mais que nós. A França 2730 €, a Áustria 2139, a Irlanda 1688, a Finlândia 1539, a Dinamarca 1799, etc.

Com o anterior não pretendo dizer que a Administração Pública é um poço de virtudes. Não é. Presta serviços que não justificam o dinheiro que consome.Particularmente na Saúde, na Educação e na Justiça. É um santuário de burocracia, de ineficiência e de ineficácia. Mas, infelizmente para o país,os mesmos paradigmas são transferíveis para o sector privado. Donde a questão não reside no maniqueísmo em que o Senhor e o seu ministro das Finanças caíram, lançando um perigoso anátema sobre o funcionalismo
público. A questão reside em corrigir o que está mal, seja público, seja privado. A questão reside em fazer escolhas acertadas. O Senhor optou pelas piores. De entre muitas razões que o espaço não permite, deixe-me que lhe aponte duas:

1. Sobre o sistema de reformas dos funcionários públicos têm-se dito barbaridades. Como é sabido, a taxa social sobre os salários cifra-se em 34,75 por cento (11 por cento pagos pelo trabalhador, 23,75 por cento pagos pelo patrão. Os funcionários públicos pagam os seus 11 por cento. Mas o seu patrão Estado não entrega mensalmente à Caixa Geral de Aposentações, como lhe competia e exige aos demais empregadores, os seus 23,75 por cento. E é assim que as "transferências" orçamentais assumem perante a opinião pública não esclarecida o odioso de serem formas de sugar os dinheiros públicos. Por outro lado, todos os funcionários públicos que entraram ao serviço em
Setembro de 1993 já verão a sua reforma calculada segundo os critérios aplicados aos restantes portugueses. Estamos a falar de quase metade dos activos. E o sistema estabilizará nessa base em pouco mais de uma década.

Mas o seu pior erro, Senhor Engenheiro, foi ter escolhido para artífice das
iniquidades que subjazem à sua política o ministro Campos Cunha, que não teve pruridos políticos, morais ou éticos por acumular aos seus 7000 euros de salário os 8000 de uma reforma conseguida com seis anos de serviço. E com a agravante de a obscena decisão legal que a suporta ter origem numa proposta de um colégio de que o próprio fazia parte.

2. Quando escolheu aumentar os impostos, viu o défice e ignorou a economia. Foi ao arrepio do que se passa na Europa. A Finlândia dos seu encantos baixou-os em quatro pontos percentuais, a Suécia em 3,3 e a Alemanha em 3,2. Porque não optou por cobrar os 3,2 mil milhões de euros que as empresas privadas devem à segurança social? Porque não pôs em prática um plano para fazer andar a execução das dívidas fiscais pendentes nos tribunais tributários e que somam 20.000 milhões de euros? Porque não actuou do lado dos benefícios fiscais, que em 2004 significaram 1000 milhões de euros? Porque não modificou o quadro legal que permite aos bancos, que duplicaram lucros em época recessiva, pagar apenas 13 por cento de impostos? Porque não revogou a famigerada Reserva Fiscal de Investimento e a iníqua lei que permitiu à PT Telecom não pagar impostos pelos prejuízos que teve... no Brasil, o que, por junto, representará cerca de 6500 milhões de euros de receita fiscal perdida?

A verdade e a coragem foram atributos que Vossa Excelência invocou para se diferenciar dos seus opositores. Quando subiu os impostos, que perante milhões
de portugueses garantiu que não subiria, ficámos todos esclarecidos sobre a
sua verdade. Quando elegeu os desempregados, os reformados e os funcionários
públicos como principais instrumentos de combate ao défice, percebemos de que
teor é a sua coragem.


Santana Castilho, Professor do Ensino Superior

ESPELHO INVERTIDO




"Sou completamente a favor da legalização do casamento entre católicos. Parece-me uma injustiça e um erro tentar impedi-lo. O catolicismo não é uma doença. Os católicos, pese embora que muitos não gostem do que lhes parece estranho, são pessoas normais e devem ter os mesmos direitos que os demais, como se fossem, por exemplo, informáticos ou homossexuais. Estou consciente de que muitos comportamentos e traços de carácter das pessoas católicas, como a sua atitude quase doente face ao sexo, podem parecer-nos estranhos. Sei que inclusivamente, por vezes se poderiam esgrimir argumentos de saúde pública, como a sua perigosa e deliberada recusa do preservativo. Sei também que muitos dos seus usos, como a exibição pública de imagens de torturados, podem incomodar algumas sensibilidades. Mas isto, além de ser mais uma imagem mediática do que uma realidade, não é razão para lhes impedir o exercício do matrimónio. Alguns poderiam argumentar que um casamento entre católicos não é um casamento real, porque para eles é um ritual e um preceito religioso ante o seu deus, em lugar da união entre duas pessoas.

Também, dado que os filhos fora do matrimónio são gravemente condenados pela igreja, alguns poderiam considerar que permitir que os católicos se casem incrementará o número de matrimónios por "o que se falará" ou pela simples busca de sexo [proibido fora do matrimónio pela sua religião], incrementando assim a violência doméstica e as famílias disfuncionais. Mas há que recordar que isto não ocorre apenas nas famílias católicas e que, dado que não podemos meter-nos na cabeça dos outros, não devemos julgar as suas motivações. Por outro lado, o dizer-se que tal não é casamento e que deveria ter outra designação, não é mais que um modo um tanto ruim de desviar o debate para questões semânticas que não vêm ao caso: ainda que seja entre católicos, um casamento é um casamento, uma família é uma família.

E com esta alusão à família, passo a outro tema importante face ao qual, espero, a minha opinião não surja como demasiado radical: também sou a favor da legalização da adopção de crianças por católicos. Alguns se escandalizariam ante uma afirmação deste tipo. É provável que alguém responda com exclamações do tipo "Católicas adoptando crianças? Essas crianças correm um grave risco de virem a tornar-se católicos!" Vejo esse tipo de críticas e respondo: sim, bem, é certo que os filhos de católicos têm uma bem maior probabilidade de se tornarem católicos [ao contrário do que ocorre, por exemplo, na informática ou na homossexualidade], mas já argumentei acima que os católicos são pessoas como as outras.

Pesem embora as opiniões de alguns e os indícios, não há provas evidentes de que os pais católicos estejam pior preparados para educar um filho, nem de que o ambiente religiosamente enviesado de um lar católico seja uma influência negativa para a criança. Para além do mais, os tribunais de adopção julgam cada caso individualmente e é precisamente sua função determinar a idoneidade dos candidatos a pais. Definitivamente, e não obstante a opinião de alguns sectores, creio que deveria permitir-se também aos católicos tanto o matrimónio como a adopção. Exactamente como aos informáticos e aos homossexuais..."


O catolicismo não é uma doença. Pelo direito dos católicos ao casamento e à adopção, por direitos iguais numa sociedade democrática.

Parece que o autor é um tal Allan Psicobyte. Mas independentemente da fonte, ponham os olhos nisto e a seguir examinem os vossos mais mesquinhos preconceitos à imagem deste espelho invertido.


( Com o devido respeito, in http://theamazingtroutblog.blogspot.com/ ou AQUI!)

18.6.05

EUGÉNIO




ADEUS


Como se houvesse uma tempestade

Escurecendo os teus cabelos

Ou se preferes, a minha boca nos teus olhos,

Carregada de flor e dos teus dedos;


Como se houvesse uma criança cega

Aos tropeções dentro de ti,

Eu falei em neve, e tu calavas

A voz onde contigo me perdi.


Como se a noite viesse e te levasse,

Eu era só fome o que sentia;

Digo-te adeus, como se não voltasse

Ao país onde o teu corpo principia.


Como se houvesse nuvens sobre nuvens,

E sobre as nuvens mar perfeito,

Ou se preferes, a tua boca clara

Singrando largamente no meu peito.


Eugénio de Andrade

14.6.05

NO PRADO DO REPOUSO




URGENTEMENTE

É urgente o Amor,
É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros,
e a luz impura até doer.
É urgente o amor,
É urgente permanecer.

Eugénio de Andrade

13.6.05

DEIXARAM DE SER VISTOS




Recém-chegado de um país a Sul, reencontro a efemeridade dos dias em três portugueses que se vão: Vasco Gonçalves, Álvaro Cunhal e Eugénio de Andrade. Pessoalmente, só tive o prazer de conhecer o poeta que um dia me convidou para apresentar os meus livros na sua Fundação e casa, na Foz, no Porto. Recordo hoje, com o coração à chuva, essa tarde de sábado do Outono de 2000.
Dos outros, só o tempo da Festa e da Diferença, no depois do 25 de Abril. E o conflito entre a Liberdade e a Unicidade. E querer ver neles apenas o lado da Utopia, do combate pela Liberdade, da tal Festa sempre inacabada. À espera dessa "coisa". Porque "essa coisa é que é linda", como canta o José Mário Branco.




OS AMANTES SEM DINHEIRO

Tinham o rosto aberto a quem passava.
Tinham lendas e mitos
e frio no coração.
Tinham jardins onde a lua passeava
de mãos dadas com a água
e um anjo de pedra por irmão.

Tinham como toda a gente
o milagre de cada dia
escorrendo pelos telhados;
e olhos de oiro
onde ardiam
os sonhos mais tresmalhados.

Tinham fome e sede como os bichos,
e silêncio
à roda dos seus passos.
Mas a cada gesto que faziam
um pássaro nascia dos seus dedos
e deslumbrado penetrava nos espaços.

Eugénio de Andrade

6.6.05





LAGOS
Já tentei separar-te do rei D. Sebastião, da janela
manuelina de onde ele terá falado aos marinheiros
que iam para morrer em Alcácer Quibir, mas é
impossível. Depois, há a estátua do João Cutileiro
a mostrar um adolescente que tinha os olhos no mar.

O Gil Eanes - marinheiro dos primeiros medos e
das primeiras voltas na costa de África - nasceu aqui
mas não surpreende tanto como o rei encoberto,
cuja voz feminina toca ainda as águas da baía
onde descarregavam escravos, vendidos no mercado
ali a cem metros desta janela da lenda da partida.

Tudo faz pensar em tudo e a baía da Meia Praia
mostra o mar calmo - quando não chega o sueste,
e a luz sempre branca nas casas que caminham para
o mar. Os pescadores chegam ao porto e há festa de
peixe: sargos, safios, pargos, ferreiras, besugos.


-NOTA: Só porque estive hoje na Feira do Livro de Lisboa, com a antologia "Algarve, Outro Mar" (Publicações Dom Quixote), na qual participo com três poemas do livro "A Terra e os Dias" (Pedra Formosa Edições).

2.6.05

A LUA TODA





Esta não é a cidade ocupada.

Sátrapas, fascistas, combatentes,
eunucos, pedófilos, católicos,
muçulmanos, judeus e lambe-botas,
ateus, agnósticos e anarquistas,
todos no barco das falésias
prestes a cair.

Depois de mim, ah, depois de mim, a chuva
sobre os rios,
a lua toda, a areia quase toda.




MADEIRAS





A madrugada que dói, tão dói a madrugada
A sombra corrói a sombra ai a cor sobre a cor quase de cor

E estar aqui tão só sobre a falésia
com Sagres e governo em pormenor.
E estar aqui sobre o lume das areias
com pontes sobre as dunas com madeiras.

E estar aqui de azul e sobre azul, com água
parque e movimento, foz e quase lume, quase queijo
ou pedra sobre o rio, ponte, quase cais,
quando a ponte cai e se descai, como a cidade.
.




POEMA




O poema é de espinhos, água, flor azul,
qualquer coisa ente mértola e setúbal,
uma onda para a noite de melides, sem terra,
à procura de quase nada, terra e declives.

E entre terra e terra, cor de nácar e de rios,
este país de dor entre fósseis e falésias.
Ao lado dos búzios, adormecemos de olhar ao longe.
E esta é a cidade aberta para mochos e águias.

LÁ E MAR





Nem sei se chorar é um verbo de chorar.
Acontecem coisas, leves como ar e mar.

Os meus amigos fugiram para o lado de lá e mar.

E há sorrisos no Tejo, estuário e luar.
E ondas curvas, pragas, bares e outro luar.

1.6.05

ARISTIDES SOUSA MENDES




Hoje, às 17 horas,no MUSEU DA ÁGUA - CASA DO REGISTO (ao Rato, logo à direita de quem sobe a Rua das Amoreiras), é inaugurada a exposição documental "REGISTOS PARA A LIBERDADE", sobre ARISTIDES SOUSA MENDES.


Aristides Sousa Mendes, com o rabino Krueger, em Lisboa, no ano de 1940

VIDA
Aristides de Sousa Mendes nasceu a 19 de Julho de 1885, em Cabanas de Viriato, perto de Mangualde. Em 1910, iniciou a sua carreira de diplomata em Demerara, na Guiana Inglesa, seguindo-se, no ano seguinte, a colocação em Zanzibar, na Índia. Em 1918, exerceu funções em Curitiba, no Brasil, das quais foi suspenso, acusado de ser anti-republicano e anti-democrata. Passados dois anos, a pena foi-lhe levantada e Aristides apareceu colocado em S. Francisco, EUA, onde ganhou a animosidade de elementos da comunidade portuguesa, acusados pelo diplomata de favorecimento próprio à custa dos seus compatriotas. Aristides voltou então para o Brasil, onde permaneceu até ao golpe do 28 de Maio de 1926. Chamado a Portugal, seguiu no ano seguinte para Vigo, Espanha, e, depois, para Antuérpia, Bélgica, onde foi condecorado por duas vezes pelo rei Leopoldo III com as insígnias de Oficial da Ordem de Leopoldo e de Comendador da Ordem da Coroa. Entretanto, casou com uma prima, de quem teve 14 filhos. Em 1938, foi transferido para o consulado de Bordéus, França, onde se desenrolaram os acontecimentos que haveriam de transformar a sua vida.

Em 1940, perante o avanço das forças nazis em França, Aristides de Sousa Mendes e à revelia das ordens de Salazar, passou milhares de vistos que permitiram a cerca de 30 mil perseguidos do nazismo, dos quais 10 mil judeus, alcançar Portugal e daqui os EUA. A acção decorreu durante três dias e prolongou-se por Baiona e Hendaia onde, nesta terra fronteiriça, ainda conseguiu fazer passar uma coluna de mil refugiados, apesar das indicações dadas aos guardas espanhóis de não validade dos vistos passados pelo diplomata português.

A sua atitude mereceu a condenação de Salazar, que ordenou o seu regresso imediato a Portugal e lhe mandou instaurar um processo disciplinar sob a acusação de "desobediência, falsificação de escritos, abandono de lugar e concussão'. Aristides ainda se defendeu junto da Assembleia Nacional, mas o veredicto foi implacável. Em Outubro de 1940, foi condenado à "pena de um ano de inactividade com direito a metade do vencimento de categoria, devendo em seguida ser aposentado".

O diplomata conheceu então grandes dificuldades que o levaram a perder a família que se dispersou por diversos países e a ter de vender o património. Em 1954, no Hospital da Ordem Terceira, encontrou a morte depois de uma prolongada doença e muitos anos de uma vida próxima da miséria.



Casa do Registo

TEXTO DE APOIO DO MUSEU DA ÁGUA

A coragem e a determinação com que Aristides de Sousa Mendes assinou os vistos
que salvaram milhares de judeus permitiram-lhe sobreviver à perversidade de
Salazar que lhe roubou a vida, obrigando-o a uma existência de total miséria,
negando-lhe os direitos mais fundamentais, perseguindo-o e a todos os seus até à
morte.

Os regimes totalitários que assentam na manipulação, na hipocrisia e no medo não
suportam a afronta do Bem, da generosidade absoluta, da vontade de ser de quem
sabe quem é e o que quer ser.

Quando visitamos a sua casa em Cabanas de Viriato, sentimos a energia, a força
indómita de quem nunca soçobrou sequer por um segundo. Afirmava Aristides de
Sousa Mendes que preferia estar bem com Deus do que com os homens e acima de
tudo com ele próprio.

Precisamente por se ter encontrado e ter percebido que tudo o que precisava
estava dentro de si, pôde suportar a brutalidade e a ferocidade da perseguição
com a tranquilidade do dever cumprido.

Convido-vos a sentir e a olhar Aristides de Sousa Mendes a arrancar as tábuas do
soalho da casa para sobreviver ao frio implacável do inverno da Serra da
Estrela, a ver partir os filhos a quem ninguém empregava ou aceitava
socialmente, a deambular pelo desfiar das horas, dos dias, dos anos, sabendo que
nada mudaria até à sua morte e que jamais seria reconhecido como um ser humano
porque lhe foi recusado o direito da dignidade.

O medo é um sentimento desagregador que nos mutila e nos mata, brutalizando as
nossas percepções, aniquilando a criatividade, anulando a vontade.
O medo é o suporte de um aparelho ideológico, o discurso da perversidade,
semiótica da mentira.

Aristides de Sousa Mendes jamais teve medo: quando assinou os vistos sabendo que
seria o último dia da sua vida ou quando desfrutava o tempo que traria a morte.

O Estado Novo alimentava-se do medo e não suportou a afronta de um homem justo,
indomável e perfeito nas suas convicções. Ousou desafiar o regime cuja
perversidade impedia de elogiar a nobreza da sua decisão.

Aristides de Sousa Mendes resistiu sempre e venceu como paradigma exemplar da
mais pura elevação de que um ser humano é capaz.
Depois da sua morte, como um anátema, ninguém respeitou a sua memória e a casa,
talvez porque a perversidade se inscreve num complicado conjunto genético que
demora algum tempo a desaparecer.

O Estado Português e os Portugueses devem pedir desculpa a Aristides Sousa
Mendes e aos seus descendentes e tudo fazer para repor a verdade, pressuposto de
uma sociedade democrática e cuidar dos valores do seu pensamento, do seu
património tangível e intangível e seguir o seu exemplo: quando estamos certos é
preciso resistir sem medo, sempre.

O Museu da Água orgulha-se de acolher esta exposição e ajudará sempre à
reposição da Verdade.



Aristides Sousa Mendes e família

This page is powered by Blogger. Isn't yours?