15.1.04

Ossip Mandelstam

Era mais um entre multidões, a caminho dos gulagues siberianos. E conduzidos em "vagões de gado", como refere Bruce Chatwin, no seu despoluído "O Que Faço Eu Aqui" (ed. Quetzal).
Este era o tempo de tudo estar doente, ao som de "Koba O Terrível " (ler o livro de Martin Amis, ed. Teorema), esse perturbado Estalino, assassino a tempo inteiro, responsável por alguns dos crimes mais hediondos da História da Humanidade.
Assim, com poemas atravessados na garganta, foi assassinado Ossip Mandelstam.


OSSIP MANDELSTAM

(1891-1938)


Não, eu não sou de ninguém contemporâneo,
para uma honra tal não estou pronto.
E que nojo me provoca um tal homónimo,
dizer que não fui eu, foi o outro.

Duas sonolentas maçãs o século-rei ostenta
e magnífica boca de barro,
mas, moribundo, à mão enlanguescente
do filho a envelhecer se agarra.

A compasso do século ergui também as pálpebras
doentias - duas maçãs grandes.
Contavam-me histórias de humanos pleitos inflamados
os rios largos e retumbantes.

Há cem anos branquejava com suas travesseiras
uma cama leve e desdobrável,
e estirou-se estranho o corpo de barro, a primeira
embriaguez do século findava.

Bem no meio da marcha tão rangente do mundo,
como é levíssima esta cama!
E pois não podemos forjar um outro do fumo,
com este século convivamos.

Num quarto quente, ou numa caverna, nas tendas
morre o século - e por último
sobre hóstia córnea duas maçãs sonolentas
resplandecem num fogo de pluma.



(in "Rosa do Mundo - 2001 Poemas para o Futuro";
tradução: Nina Guerra e Filipe Guerra)



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