30.1.04
Moçambique
Um cheirinho de Moçambique e do Índico, para uma aproximação aos mares do Oriente e para deixar este espaço cansado de cinzas e nevoeiro. Assim, este excerto do livro à vista:
Moçambique, Madagáscar e as ilhas Comores
Apesar de, no século XVI, alguns capitães portugueses de carácter ambicioso terem chegado a esboçar alguns planos no intuito de conquistar Madagáscar ou as Comores, as relações portuguesas com estas terras sempre se mantiveram numa base puramente comercial. Os navios mercantes que zarpavam de Moçambique percorriam a curta distância que os separava destas ilhas em busca de madeira, fio de palma e pedra destinada à construção, mas o seu verdadeiro objectivo era conseguir alimentos em quantidade suficiente para abastecer o vasto mercado constituído pela base naval da Ilha de Moçambique. O comércio com Madagáscar e as Comores acabou por se tornar extremamente importante para os moradores de Moçambique, já que o crescente monopólio do capitão lhes vedava a possibilidade de aceder à maioria dos mercados do Sul. Francisco Barreto fizera reviver o velho projecto de conquistar as Comores, estava-se então na década de setenta, e os moradores voltaram a sentir receio de perder a possibilidade de negociar com esta região quando, em 1585, o capitão, D. Jorge de Meneses, adquiriu o direito exclusivo do comércio do gengibre entre as Comores e Ormuz, ao mesmo tempo que tentava edificar uma feitoria em Masselage, na costa de Madagáscar. Na década de cinquenta, os capitães de Moçambique continuaram a tentar negociar uma espécie de aliança comercial com Madagáscar.
As embarcações usadas neste tipo de viagens eram quase todas pangaios de construção local, ficando a sua condução a cabo dos membros da comunidade muçulmana de marinheiros instalados nas pequenas cidades portuárias situadas em ambos os lados do canal de Moçambique. Eram fretados pelos moradores de Moçambique, levando quase sempre a bordo um ou dois afro-portugueses. O volume dos negócios entre Moçambique e as ilhas impressionou os primeiros visitantes europeus. Em 1591, Sir James Lancaster viu-se obrigado a recorrer aos serviços de um intérprete português na sua visita às Comeres. Em 1602, um negociante clandestino de origem francesa, Martin de seu nome, encontrou plusieurs individus qui par-laient portuguais, e, ainda no mesmo ano, a frota holandesa de van Spielbergen capturou uma embarcação recheada de mestiços portugueses que transportava arroz, panos e escravos. Por seu turno, em 1615, Sir Thomas Roe teceu alguns comentários relativos aos enormes veleiros usados pêlos Portugueses, tendo dito qualquer coisa sobre "os poucos portugueses que viajavam para Moçambique em embarcações de quarenta toneladas, com as pranchas cosidas ao invés de pregadas, todas elas muito bem equipadas e carregadas de madeira". A situação acabou por ser resumida por François Pyrard, que disse "serem estas ilhas [as Comores] de uma importância vital para Moçambique e os portugueses que aí vivem, já que é delas que partem todos os alimentos que aqueles necessitam".
É bastante provável que os moradores de Moçambique tenham usado o comércio com as Comores e Madagáscar como uma forma de iludir o monopólio do capitão e levar a cabo uma série de transacções clandestinas com os portos do mar Vermelho, do Golfo, e também do norte da índia. Sabe-se que, nos primeiros anos do século XVII, estas ilhas mantinham uma relação comercial intensa com os territórios situados a norte, encarregando-se os veleiros portugueses que partiam de Moçambique de levar as moedas de prata de origem espanhola que eram usadas nas ilhas no intuito de financiar o comércio internacional.