7.2.04
Galiza e Rosália
Um nevoeiro cerrado percorre o país. A Galiza adormece e acorda embrulhada nesta morrinha. Relemos Rosália de Castro ( vamos chamá-la assim, no seu nome galego-português), em vez da acastelhanizada "Rosalía".
ROSÁLIA DE CASTRO
3 POEMAS
de
"Nas Margens do Sar"
Hora após hora, dia após dia
entre o céu e a terra que perduram,
vigilantes eternas,
como torrentes que se despenham,
assim passam as vidas.
Devolvei à flor o seu perfume
depois de ter secado;
das ondas que beijam a praia
e que, uma após outra, ao beijá-la expiram,
guardai os rumores, as queixas,
e em placas de bronze gravai a sua harmonia.
Tempos que passaram, prantos e risos,
negros tormentos, doces mentiras,
ai, onde estarão as suas marcas,
ai, onde estarão, alma minha
--
Ao ouvir as canções
que noutro tempo ouvia,
do abismo onde dormem as minhas paixões
o seu sonho do Nada,
creio que se ergue, irónica e sombria,
a imagem já enterrada
de minhas puras e formosas ilusões.
- Imbecil! O que se foi
não volta! O passado perdeu-se
como na noite vai perder-se o dia,
mesmo para a velhice não há ressurreição...
Por Deus! Não me canteis essas canções
que noutro tempo ouvia.
--
Vós, que dum céu imaginado
viveis, como Narciso, enamorados,
não podereis mudar da criatura,
na sua essência eternamente a mesma,
os instintos inatos.
Não apagareis nunca da alma humana
o orgulho da raça, o valor pátrio,
a vaidade do valor pessoal,
nem o orgulho do ser que se nega
a perder do seu ser o menor átomo.
(in "Nas Margens do Sar";
tradução: José Carlos González.
Editorial Diferença, 1999)
***
Rosália de Castro (Santiago de Compostela, 1837-Padrón, 1885). Escritora galega. Descendente, por parte de sua mãe, de uma família da velha nobreza, o facto de ser filha ilegítima de um sacerdote marca-a profundamente desde muito jovem. Escreve em galego e em castelhano e acaba por se tornar um elemento preponderante do «Resurdimento Galego». Aos vinte anos publica La Flor, seu primeiro livro de versos. Nos seus Cantares Galegos (1863), breves glosas de canções populares, manifesta a sua intensa nostalgia da terra galega. Em Folhas Novas (1880), obra de uma maior intensidade lírica, exprime a sua intimidade com mestria e simplicidade, abordando a natureza como puro símbolo da sua nostalgia desenganada. Nas Margens do Sar(1885) acentua-se o seu pessimismo. Os temas predominantes nesta colectânea são a inelutável realidade da dor, a inexorável passagem do tempo e um obsessivo sentimento da morte. No conjunto, a sua obra gira em torno de três temas básicos: uma visão costumeira da Galiza rural, um conteúdo metafísico que a parece aproximar da filosofia existencial e a denúncia das assimetrias sociais da Galiza. Por outro lado, Rosália é uma importante inovadora estilística, pois utiliza novos ritmos, mais flexíveis e harmoniosos do que os usuais na sua época. Em Portugal, com tradução de José Carlos González, a Editorial Diferença publicou-lhe, em 1999, "Nas Margens do Sar".