29.3.05

BRUCE CHATWIN




Atravessado pela cinza destes dias, com o coração ainda preso ao rio Moldava que vou revendo no Tejo ("Instável. Escuro natural, da cor da noite, quando as nuvens ocultam a lua. Prata natural da cor do metal, quando a lua oculta as nuvens, antecipando o dia." - escreve a Risoleta Pinto Pedro, no seu risocordetejo),retomo Bruce Chatwin, esse, o das longas viagens que é urgente fazer.



Milhares de vezes tocarei este corpo de escrita atravessado por viagens: comboios do Árctico, patagónias, ásias de amarela cor, entrelaçadas por negros cordões de ditaduras , américas de poder, a norte, com sangue de milhões nas veias, e de pobreza a centro e sul, com gente esmagada por militares e sanguessugas e áfricas de fome e sede para o povo, onde a corrupção lampeja. Claro que dói. Parece que ser homem é uma doença.
Mas Bruce Chatwin caminha para lá da morte. Brilha entre viagens. Consegue captar a luz de lugares que nunca existiram. Um exemplo, a propósito de uma visita a Nadejda Mandelstam, aquela que viu Ossip Mandelstam, poeta das mais graves horas, embarcado em carruagens de gado, para a morte, como Anna Akmátova, a poeta que nos leva ao lugar do grande silêncio, aquele onde todos os ditadores poderão morrer:


“A neve caía abundantemente na tarde em que fui visitar Nadejda Mandelstam. Os flocos fundiam sobre o sobretudo e os sapatos deixavam poças de água no chão da cozinha, que cheirava a queirosena e a pão de ontem. Na mesa, marcas púrpuras poeirentas, um vaso de begónias e copos a enxugar, restos de ligeireza do Verão russo.” (in “ O Que Faço Eu Aqui” ( “What am I doing here”) , Lisboa, Quetzal, 1996, página 95 ).

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