9.8.05

DESVELAMENTOS




1.

A literatura vive de falhas sumptuosas, de algumas certezas
encostadas ao coração. Aonde chega a palavra,
edifica-se um campo de gestos novos, verosímeis.

2.

Um homem cruza-se na rua com outro homem.
Ambos caminham para um lugar. Ninguém sabe, ainda,
por que se desconhecem. Ambos choram ao mesmo tempo.

3.

Por amor de uma areia, um homem percorreu um deserto.
Encontrou-a no fim. Num ponto de presença absoluta,
onde se pode sentir a órbita de um planeta.

4.

De algumas rochas, fica o fascínio das altas temperaturas,
das recristalizações. Chegam à superfície, depois
de milhões de anos, para fazer de pedra a casa nova.

5.

Entre o poema e o poeta, há uma gramática sem semelhanças,
uma presença de ar obscuro. Torna-se possível a unidade do mundo,
a indistinção entre língua e fala. A voz estremece.

Firmino Mendes (in "Desvelamentos")

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