28.6.05
MEMÓRIA
Em tempos nacionais de contestação social, persiste a memória de um 'tempo de cerejas' (ah, 'le temps des cérises'!), no longínquo Maio de 1968. A ele retornamos, através do 'Le Monde Diplomatique'e do novo livro de Kristin Ross, professora de Literatura Comparada na Universidade de Nova Iorque:
“Éramos umbiguistas, esquecidos do mundo exterior, não víamos o que se passava no resto do mundo, estávamos dobrados sobre nós mesmos.” (Bernard Kouchner, Maio de 1988). Assim, por uma simples pirueta, Kouchner arroga-se o direito de varrer uma dimensão inteira do movimento de 1968, a saber a sua relação com as lutas anticolonialistas e anti-imperialistas, como o Vietname, a Algélia, Cuba.
“Por volta do ano 1968, em todo o mundo ocidental, aparece na cena pública uma nova personagem colectiva: a classe de idade adolescente. (...) E afirma-se por oposição ao mundo adulto.” Estas frases de um editorial do Le Monde no trigésimo aniversário do Maio 68 assemelham-se a uma apreciação de Raymond Aron: “ Estamos em presença de um fenómeno que tem tanto de biológico como de social.” E confirmam a vontade de enterrar o carácter social do Maio 68, revolta de massas que tocou todos os sectores do trabalho, todos os grupos etários.
Em trinta e cinco anos, a memória do Maio 68 ficou escondida sob as comemorações, reduzida à “libertação dos costumes”, quando foi a mais importante contestação da ordem social existente. É para reabilitar o sentido real do acontecimento que Kristin Ross nos convida.