8.10.04

MEDITAÇÃO EM SAGRES





Às vezes,damos por nós a pensar se tudo isto será real. Se o país continuará encostado a ocidente da Europa ou se já conseguiu combater a inércia e soltar-se para qualquer outra dimensão, jangada de pedra ou nave de titânio.
Passa-se qualquer coisa, diz o meu vizinho. Não sei bem o que está a acontecer mas parece-me muito grave, diz a outra vizinha do terceiro andar. Já reparaste que mudamos as caras para o cinzento às riscas? É o Filipe que telefona.
E no ar, mesmo no ar ou em cima dele, em qualquer invisível estratosfera, aparecem alguns factos: o Marcelo deixou de ir à missa ao domingo, meia dúzia de alienados suicidou-se com feno e bosta de vaca numa herdade, o Presidente não sabe se vai falar ao país, os portugueses deixaram de ler, os hospitais estão saturados, o dinheiro não chega para um cozido à portuguesa, a classe média paga que se farta até à sua esperada volatilização, os ex-ministros têm empregos de engorda-mulas, os rios não aguentam com tanto esgoto, tintas e detritos, as falésias abatem-se, as florestas queimam-se, os caçadores são promovidos a pequenos heróis por fazerem guerrazinhas permitidas aos homens em tempo de paz, as telenovelas sedatizam sete dos dez milhões.
Interminável este rol de misérias coladas ao ovo da serpente.
Interminável.


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