30.9.04
O ESTADO DA NAÇÃO (3)
Os Ferraris do Vale do Ave. Os processos que prescreveram. Os jornais,as rádios, as revistas, as televisões que estão na mão de apenas três grandes grupos económicos. As campanhas eleitorais, pagas a peso de ouro, a troco não se sabe bem do quê. As negociatas. As promessas. As mentiras.
Os impostos que iriam descer e afinal sobem. O emprego que iria subir e afinal desce. O IVA que já foi a 17% e agora é a 19%.
O Santana Lopes que passou do Sporting para a Figueira, da Figueira para Lisboa e de todas as vezes foi eleito. Democraticamente. E que foi alçado a número dois do PSD sendo, por esse facto, o nosso não eleito primeiro-ministro.
E, quando tudo isso aconteceu, onde estávamos nós ?
Na praia ? No café ? Na Ler Devagar, a folhear Heidegger ? Numa esplanada da Praça da Oliveira, em Guimarães? Na Praça do Giraldo, em Évora? Num recanto da Ribeira do Porto ou na margem esquerda do Douro, em Gaia,estagiando ou beijando o rio? Nas Arcadas de Braga? Na Praça Gil Eanes, em Lagos, olhando o Dom Sebastião? Nas margens da albufeira do Alqueva, olhando um buraco de golfe? Nas falésias do Algarve onde a construção padala a bom pedalar?
Não sei onde estávamos. Sei, apenas, que estávamos calados. E é por isso que é bem feito.
Demitimo-nos do dever de falar, de esclarecer, de protestar, de votar. E, se alguns, poucos, falavam, muitos assobiavam para o ar, como se não fosse nada connosco. Era sempre com eles, com os políticos. E estávamos errados: a política é nossa. A política somos nós que a devemos fazer,participando, votando, reclamando, exigindo.
Abstivemo-nos e as coisas aconteceram. Os factos surgiram e
ficaram impunes. Os acontecimentos seguiram o seu curso, o barco singrou desgovernado, com os incapazes ao leme e os arrivistas a bater palmas.
Agora que o impensável se acastela no horizonte, assim ficamos, aflitos,o coração nas mãos, a perguntarmo-nos: como foi possível ? Como será possível ?
E mais aflitos ainda ficamos porque sabemos: é possível. Pode acontecer.
Pode acontecer que Paulo Portas e Santana Lopes, dois parasitas do
poder,dois demagogos, dois populistas, se enquistem em São Bento. Mais : bastam umas fotografias nas revistas do coração, uns beijinhos nalgumas feiras, uns ósculos nalgumas recepções, três ou quatro discursos ocos, cheios de sonoridade e deimpacto televisivo, a aura de salvadores da pátria e dos bons costumes, e lá vai o bom povo do futebol, dos morangos com açúcar e do 24 horas a correr
às urnas, ungir o Sr. Feliz e o Sr. Contente com os louros do poder.
A cartilha está traçada.Os impostos a cair. As festas para o povo pagas com o erário público,esse erário minguante que à custa de tanto e de tantos foi custosamente aforrado nos dois últimos anos. As promoções em catadupa,as reformas obscenas, os Institutos Estatais criados por decreto, para promover os novos boys e as novas girls, criar novos empregos efémeros. Os gastos à tripa forra para contentar taxistas,sindicatos, peixeiras, comerciantes, função pública.E o Jardim, sempre o Jardim, como pequeno ditador de uma ilha africana.
Os saneamentos. A ostracização dos críticos, dos descontentes, dos que se manifestam.
Afinal, é fartar vilanagem !