12.7.04

NO CENTENÁRIO DE PABLO NERUDA





Pablo Neruda é o pseudónimo literário de Neftalí Ricardo Reyes, poeta chileno(Parral 1904 - Santiago 1973). Cônsul do Chile na Espanha e no México, eleitosenador em 1945, foi embaixador na França (1970). Suas poesias da primeirafase são inspiradas por uma angústia altamente romântica. Passou por uma fasesurrealista. Tornou-se marxista e revolucionário, sendo, primeiramente, a vozangustiada da República Espanhola e, depois, das revoluções latino-americanas.Esteve no Brasil em diversas oportunidades, e, numa delas, declamou poemasseus perante grande massa popular concentrada no estádio do Pacaembu, emSão Paulo.Obras principais: A canção da festa (1921), Crepusculário (1923),Vinte poemas de amor e uma canção desesperada (1924), Tentativa dohomem infinito (1925), Residência na terra [vol. I, 1931; vol.II, 1935; vol.III,1939, que inclui Espanha no coração (1936-1937)], Ode a Stalingrado (1942),Terceira residência (1947), Canto geral (1950), Odes elementares (1954),Navegações e retornos (1959), Canção de gesta (1960), ensaios (Memorialda ilha negra, 1964) e a peça teatral Esplendor e morte de Joaquín Murieta(1967). Mais recentemente foram editados ps «Cem Sonetos de Amor» e«Cadernos de Temuco», em Portugal com a chancela da Campo das Letras,com tradução de Albano Martins (2004). Em 1974, foi publlicado o volumeautobiográfico Confesso que vivi. (Prêmio Nobel de Literatura, 1971). Em1971 foi Galardoado com o Prémio Nobel da Literatura.


SENSAÇÃO AUTOBIOGRÁFICA

Nasci há dezasseis anos numa poeirenta
aldeia branca e distante que ainda não conheço,
e como isto é um pouco vulgar e puro
irmão errante, passemos à minha juventude.

Creio em muito poucas coisas na vida. A vida
não me entregou tudo o que eu lhe entreguei
e emocional e altivo rio-me da ferida
e a dor está para a minha alma como dois está para três.

Mais nada. Ah, lembro-me de que aos dez anos
desenhei o meu caminho contra todos os danos
que no longo caminho me pudessem vencer.

Ter amado uma mulher e ter escrito
um livro. Não venci porque está manuscrito
o livro e não amei uma, mas cinco ou seis...

(in «Canto Geral»,
tradução de Albano Martins,
Campo das Letras, 1998)


XCVIII

É esta palavra, este papel escrito
pelas múltiplas mãos duma única mão,
não fica em ti, não serve para os sonhos,
cai na terra: ali se continua.

Não importa que a luz ou o louvor
se derramem e transbordem da taça
se foram um tenaz tremor do vinho,
se de amaranto se tingiu a tua boca.

mais não quer a sílaba tardia,
o que uma e outra vez traz o recife
das minhas lembranças, a irritada espuma,

mais não quer que teu nome escrever.
E, embora o cale o meu sombrio amor,
a primavera di-lo-á mais tarde.



(in «Cadernos de Temuco»,
tradução de Albano Martins,
Campo das Letras, 2004)



O POETA

Até aqui circulei pela vida, no meio
de um amor doloroso: até aqui guardei
uma pequena página de quartzo,
cravando-me os olhos na vida.
Comprei bondade, frequentei o mercado
da cobiça, respirei as águas
mais surdas da inveja, a inumana
hostilidade das máscaras e dos seres.
Vivi num mundo de lama marinha
no qual subitamente a flor, a açucena
me devorava, em seu frémito de espuma,
e onde pus o pé a minha alma resvalou
para os dentes do abismo.
Assim nasceu a minha poesia, a custo
resgatada pelas urtigas, empunhada
sobre a solidão como um castigo
ou que no jardim do impudor resguardou
a sua flor mais secreta até enterrá-la.
Isolado, pois, como a água sombria
que vive em seus profundos corredores,
corri, de mão em mão, para o isolamento
de cada ser, para o ódio quotidiano.
Soube que assim viviam, escondendo
metade dos seus seres, como peixes
do mais estranho mar, e nas lodosas
imensidões encontrei a morte.
A morte abrindo portas e caminhos.
A morte deslizando pelas paredes.


(in «Cem Sonetos de Amor»,
tradução de Albano Martins,
Campo das Letras, 2004)





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